MPLA e UNITA: Democracia, verdade, reconciliação e a memória coletiva
- António Ventura
14 maio 2014
Brasil - A
edição de 12 de Maio de 2014 do Jornal de Angola (JA) dedicou em quase
duas páginas matérias ligadas com a UNITA. Quer o editorial e os artigos
de opinião constantes respectivamente nas páginas 6 e 7 trouxeram à
estampa conteúdos que considero de natureza insultuosa ou injuriosa
contra a UNITA e seus dirigentes, sobretudo, contra o seu presidente,
Isaías Samakuva.
No
mesmo tom discursivo, o editorial da edição de 13 de Maio de 2014,
voltou a refletir pejorativamente sobre o comunicado da Comissão
Política da UNITA. E o mesmo voltou a acontecer na página 7 da edição de
14 de Maio.
E assim tem acontecido, com mais ou menos intensidade, na mídia pública nos últimos oito meses.
Olhando para o atual desempenho da mídia pública, não se poderia esperar outra postura dos articulistas ou dos editores do JA.
Como
órgão de comunicação social, o JA está obrigado legalmente a perseguir o
interesse público. A este propósito, a nossa Lei de Imprensa já
explicita o que é matéria de interesse público dos órgãos de comunicação
social. Estipula, por exemplo, que todas as empresas e órgãos de
comunicação social têm a responsabilidade social de assegurar o direito
dos cidadãos de informar, se informar e ser informado, nos termos do
interesse público (artigo 10.o).
De
acordo com o referido dispositivo legal, entende-se como sendo de
interesse público, as informações que têm os seguintes fins gerais:
a)
contribuir para consolidar a Nação Angolana, reforçar a unidade e a
identidade nacionais e preservar a integridade territorial;
b)
informar o público com verdade, independência, objectividade e isenção,
sobre todos os acontecimentos nacionais e internacionais, assegurando o
direito dos cidadãos à informação correcta e imparcial;
c) assegurar a livre expressão de opinião pública e da sociedade civil;
d) contribuir para a promoção da cultura nacional, regional e a defesa e divulgação
das línguas nacionais;
e) promover o respeito pelos valores éticos e sociais da pessoa e da família;
f) promover a boa governação e a administração correcta da coisa pública;
g) contribuir para a elevação do nível sócio económico e da consciência jurídica da população. (Artigo 11.o ).
Infelizmente,
e na maior parte das vezes, não é assim que acontece porque o MPLA
continua a controlar o conteúdo e a linha editorial do JA, o que retira
objetividade, independência e isenção ao único jornal diário angolano.
Assim, só neste sentido é que se pode sustentar que as posições do JA
manifestam a dificuldade que os seus gestores têm de cultivar um
jornalismo cada vez mais de interesse público e adequável ao atual
momento de construção da democracia. E, do nosso ponto de vista, o JA
está a caminhar no sentido contrário.
Na democracia não há e nem pode haver pensamento único. Há pluralismo de opiniões e de pontos de vistas.
E
é nesta lógica que a UNITA tem legitimidade para emitir os seus pontos
de vista sobre a história de Angola, o atual momento do processo de paz,
da reconciliação nacional e sobre o modo como os angolanos estão a
lidar com o seu passado, que inclui não só o tempo de guerra da qual a
própria UNITA também foi responsável e promotora inclusive os
assassinatos nas áreas que estavam sob seu controlo; mas também inclui
os atos praticados pela governação autoritária do MPLA desde 1975 até
aos dias de hoje na qual se inclui os massacres de 27 de Maio, os
assassinatos da chamada sexta-feira sangrenta em Luanda e os
assassinatos políticos durante ou depois da guerra.
Todos
esses atos que marcam o nosso passado e a nossa história devem ser
estudados com objetividade como lição para não voltarmos a repetir os
mesmos erros. Por isso, entendo que as reclamações da UNITA deviam
preocupar e ter apoio de todos os angolanos interessados na consolidação
da paz e da reconciliação nacional.
Obviamente
entre esses angolanos devem estar os militantes do MPLA, da UNITA e de
outros partidos existentes em Angola. Não se pode perder de vista que os
militantes de ambos os partidos são angolanos e representam interesses
cívicos-políticos de cidadãos angolanos.
Então
porque que os angolanos que não são do MPLA têm tratamento diferente na
mídia pública (no JÁ), contrariando o que é estabelecido na CRA? Porque
o JA não trata da mesma maneira os acontecimentos de 27 de Maio de
1977? Porque que mesmo em tempos de paz, pretendem penalizar eternamente
a UNITA e seus militantes e não se penaliza o MPLA? Não são todos
angolanos?
Todos praticaram atos desumanos!
Por
outro lado, o MPLA também demonstra que está com dificuldades de se
adequar ao atual processo democrático. E o que até agora temos assistido
é revelador da seguinte realidade: O MPLA está carente de um discurso
democraticamente legitimável, não porque lhe faltam militantes com
capacidade e competência argumentativa para o efeito, mas porque vive
uma crise de identidade. Quem é o MPLA hoje? Como atua no quadro do
atual processo democrático?
Neste
contexto, procura ganhar legitimidade com recurso à linguagem
intimidatória, a censura da mídia pública, as perseguições, prisões
ilegais por razões políticas. É saudade do passado, do tempo do
partido-Estado, do tempo de guerra! Recorre constantemente a «reprodução
de inimigos» para legitimar atitudes autoritárias e ativar a nossa
memória coletiva. Parece ter medo do presente e do futuro, isto é, de
ver Angola verdadeiramente democrática.
E
explico-me com alguns exemplos: As vezes falam de democracia, mas
governam com autoritarismo, próprio do partido-Estado. Economicamente
pensam como comunistas, mas atuam como capitalistas selvagens e, só por
esta razão, os frutos do crescimento econômico são distribuídos de
forma, cada vez mais, injusta. Identificam manifestações cívicas,
pacificas e sem armas com guerra ou golpe de Estado.
Penso que pelo número e capacidade dos seus militantes, o MPLA não precisa recorrer a esta prática.
Não
há dúvidas de que nos termos da atual Constituição angolana, o MPLA
deve mudar de postura. Há que evitar o saudosismo manifestado no
sentimento de triunfalismo megalomaníaco. Não há outro caminho. Deve
mudar! Deve democratizar-se.
Neste
âmbito, para lidar de maneira mais humana com o passado marcado por
muita violência, atualmente existe, por exemplo, as ditas Comissões da
Verdade e Reconciliação. Assim aconteceu na Alemanha pós-guerra mundial,
na África do Sul e, recentemente, foi criada no Brasil uma comissão
semelhante.
No
caso de Angola, este processo de cura e perdão pode não passar
necessariamente pela criação de uma Comissão da Verdade, tal como
ocorreu nos países citados. Mas, na nossa modesta opinião, precisamos de
um mecanismo nacional que venha ajudar os angolanos a superar os
traumas do passado com base na verdade, no mútuo perdão e na justiça.
Caso
contrário, estaremos a perder uma oportunidade para construir uma paz
duradoira assente na justiça e no amor fraterno. Deste modo, seria
possível mitigar os conflitos atuais e potenciais atos de intolerância
política. Assim, pode-se afirmar que só por esta via conseguiremos
promover em Angola o desenvolvimento sustentável