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domingo, 18 de mayo de 2014

18/05/2014 - M.P.L.A e U.N.I.T.A: DEMOCRACIA, VERDADE, RECONCILIAÇÂO E MEMORIA COLECTIVA

MPLA e UNITA: Democracia, verdade, reconciliação e a memória coletiva

 - António Ventura

14 maio 2014
Brasil - A edição de 12 de Maio de 2014 do Jornal de Angola (JA) dedicou em quase duas páginas matérias ligadas com a UNITA. Quer o editorial e os artigos de opinião constantes respectivamente nas páginas 6 e 7 trouxeram à estampa conteúdos que considero de natureza insultuosa ou injuriosa contra a UNITA e seus dirigentes, sobretudo, contra o seu presidente, Isaías Samakuva.

No mesmo tom discursivo, o editorial da edição de 13 de Maio de 2014, voltou a refletir pejorativamente sobre o comunicado da Comissão Política da UNITA. E o mesmo voltou a acontecer na página 7 da edição de 14 de Maio.
E assim tem acontecido, com mais ou menos intensidade, na mídia pública nos últimos oito meses.
Olhando para o atual desempenho da mídia pública, não se poderia esperar outra postura dos articulistas ou dos editores do JA.
Como órgão de comunicação social, o JA está obrigado legalmente a perseguir o interesse público. A este propósito, a nossa Lei de Imprensa já explicita o que é matéria de interesse público dos órgãos de comunicação social. Estipula, por exemplo, que todas as empresas e órgãos de comunicação social têm a responsabilidade social de assegurar o direito dos cidadãos de informar, se informar e ser informado, nos termos do interesse público (artigo 10.o).
De acordo com o referido dispositivo legal, entende-se como sendo de interesse público, as informações que têm os seguintes fins gerais:
a) contribuir para consolidar a Nação Angolana, reforçar a unidade e a identidade nacionais e preservar a integridade territorial;
b) informar o público com verdade, independência, objectividade e isenção, sobre todos os acontecimentos nacionais e internacionais, assegurando o direito dos cidadãos à informação correcta e imparcial;
c) assegurar a livre expressão de opinião pública e da sociedade civil;
d) contribuir para a promoção da cultura nacional, regional e a defesa e divulgação
das línguas nacionais;
e) promover o respeito pelos valores éticos e sociais da pessoa e da família;
f) promover a boa governação e a administração correcta da coisa pública;
g) contribuir para a elevação do nível sócio económico e da consciência jurídica da população. (Artigo 11.o ).
Infelizmente, e na maior parte das vezes, não é assim que acontece porque o MPLA continua a controlar o conteúdo e a linha editorial do JA, o que retira objetividade, independência e isenção ao único jornal diário angolano. Assim, só neste sentido é que se pode sustentar que as posições do JA manifestam a dificuldade que os seus gestores têm de cultivar um jornalismo cada vez mais de interesse público e adequável ao atual momento de construção da democracia. E, do nosso ponto de vista, o JA está a caminhar no sentido contrário.
Na democracia não há e nem pode haver pensamento único. Há pluralismo de opiniões e de pontos de vistas.
E é nesta lógica que a UNITA tem legitimidade para emitir os seus pontos de vista sobre a história de Angola, o atual momento do processo de paz, da reconciliação nacional e sobre o modo como os angolanos estão a lidar com o seu passado, que inclui não só o tempo de guerra da qual a própria UNITA também foi responsável e promotora inclusive os assassinatos nas áreas que estavam sob seu controlo; mas também inclui os atos praticados pela governação autoritária do MPLA desde 1975 até aos dias de hoje na qual se inclui os massacres de 27 de Maio, os assassinatos da chamada sexta-feira sangrenta em Luanda e os assassinatos políticos durante ou depois da guerra.
Todos esses atos que marcam o nosso passado e a nossa história devem ser estudados com objetividade como lição para não voltarmos a repetir os mesmos erros. Por isso, entendo que as reclamações da UNITA deviam preocupar e ter apoio de todos os angolanos interessados na consolidação da paz e da reconciliação nacional.
Obviamente entre esses angolanos devem estar os militantes do MPLA, da UNITA e de outros partidos existentes em Angola. Não se pode perder de vista que os militantes de ambos os partidos são angolanos e representam interesses cívicos-políticos de cidadãos angolanos.
Então porque que os angolanos que não são do MPLA têm tratamento diferente na mídia pública (no JÁ), contrariando o que é estabelecido na CRA? Porque o JA não trata da mesma maneira os acontecimentos de 27 de Maio de 1977? Porque que mesmo em tempos de paz, pretendem penalizar eternamente a UNITA e seus militantes e não se penaliza o MPLA? Não são todos angolanos?
Todos praticaram atos desumanos!
Por outro lado, o MPLA também demonstra que está com dificuldades de se adequar ao atual processo democrático. E o que até agora temos assistido é revelador da seguinte realidade: O MPLA está carente de um discurso democraticamente legitimável, não porque lhe faltam militantes com capacidade e competência argumentativa para o efeito, mas porque vive uma crise de identidade. Quem é o MPLA hoje? Como atua no quadro do atual processo democrático?
Neste contexto, procura ganhar legitimidade com recurso à linguagem intimidatória, a censura da mídia pública, as perseguições, prisões ilegais por razões políticas. É saudade do passado, do tempo do partido-Estado, do tempo de guerra! Recorre constantemente a «reprodução de inimigos» para legitimar atitudes autoritárias e ativar a nossa memória coletiva. Parece ter medo do presente e do futuro, isto é, de ver Angola verdadeiramente democrática.
E explico-me com alguns exemplos: As vezes falam de democracia, mas governam com autoritarismo, próprio do partido-Estado. Economicamente pensam como comunistas, mas atuam como capitalistas selvagens e, só por esta razão, os frutos do crescimento econômico são distribuídos de forma, cada vez mais, injusta. Identificam manifestações cívicas, pacificas e sem armas com guerra ou golpe de Estado.
Penso que pelo número e capacidade dos seus militantes, o MPLA não precisa recorrer a esta prática.
Não há dúvidas de que nos termos da atual Constituição angolana, o MPLA deve mudar de postura. Há que evitar o saudosismo manifestado no sentimento de triunfalismo megalomaníaco. Não há outro caminho. Deve mudar! Deve democratizar-se.
Neste âmbito, para lidar de maneira mais humana com o passado marcado por muita violência, atualmente existe, por exemplo, as ditas Comissões da Verdade e Reconciliação. Assim aconteceu na Alemanha pós-guerra mundial, na África do Sul e, recentemente, foi criada no Brasil uma comissão semelhante.
No caso de Angola, este processo de cura e perdão pode não passar necessariamente pela criação de uma Comissão da Verdade, tal como ocorreu nos países citados. Mas, na nossa modesta opinião, precisamos de um mecanismo nacional que venha ajudar os angolanos a superar os traumas do passado com base na verdade, no mútuo perdão e na justiça.
Caso contrário, estaremos a perder uma oportunidade para construir uma paz duradoira assente na justiça e no amor fraterno. Deste modo, seria possível mitigar os conflitos atuais e potenciais atos de intolerância política. Assim, pode-se afirmar que só por esta via conseguiremos promover em Angola o desenvolvimento sustentável