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CULTURA

Sindika Dokolo: "Às vezes tenho o privilégio de ela ser a minha mulher"

Porto - É quinta-feira, dia 5 de Março, e o relógio marca quatro da tarde. Daqui a duas horas, Sindika Dokolo será condecorado por Rui Moreira com a Medalha de Mérito/Grau Ouro, atribuída pela Câmara do Porto, por ter cedido 80 obras da sua colecção de arte para a exposição "You Love Me, You Love Me Not" que, nesse mesmo dia, foi inaugurada na Galeria Municipal Almeida Garrett.

*Celso Filipe 

Fonte: Jornal de Negócios
 "Eu tenho as minhas actividades e ela tem as actividades dela"

A conversa decorre na esplanada do Palácio do Freixo. Por baixo do pontão, o rio Douro corre tranquilo. É um dia antecipado de Primavera perfeito e até o vento, que de vez em quando sopra, parece ter como finalidade única aquietar o calor que se faz sentir. Sindika Dokolo, de 42 anos, é um dos maiores coleccionadores africanos de arte, uma paixão que lhe foi transmitida pelo seu pai, Augustin Dokolo. Nesta entrevista ao Negócios, assume-se como empresário, diz que "a arte é uma paixão" e sublinha que a exposição no Porto seria impossível em França ou em Inglaterra. Mais tarde, já no museu, deixou uma promessa em nome da fundação que tem o seu nome: "Vamos destinar um orçamento anual para levar artistas do Porto para expor em Angola e trazer artistas de Angola ao Porto."
Paulo Cunha e Silva, vereador da cultura da Câmara do Porto, disse que a exposição "You Love Me, You Love Me Not" mostra a relação paradoxal que os portugueses têm com o continente africano. Revê-se nesta análise?
Para mim, é difícil comentar a perspectiva do ponto de vista português. Mas, do ponto de vista africano, uma coisa que me parece muito interessante é o facto de ter existido uma colaboração entre um curador português [Bruno Leitão] e uma curadora angolana [Suzana Souto]. Na minha opinião, demonstra que a relação entre Portugal e África, mais particularmente entre Portugal e Angola, tem evoluído. Sinto que a maneira de olhar para Angola tem evoluído bastante do lado português e que Portugal é um dos raros países com uma história colonial que conseguiu inverter esse período negativo do fim da colonização. Este tipo de projecto que inaugurámos no Porto não seria possível nem em França nem em Inglaterra. Para mim, enquanto africano, fico feliz por constatar isso.
Sendo congolês, de um país que tem origens coloniais diferentes, neste caso belgas, sente essa diferença?
Claramente. A Bélgica tem uma história um pouco especial. O Congo belga é diferente das colónias francesas, portuguesas ou inglesas. Claramente, nunca houve uma exposição deste nível, que põe duas culturas em pé de igualdade.

Nasceu no Congo, estudou em França. Onde é que aprendeu a falar tão bem português?
Em Luanda. Descobri Angola em 1999. Havia uma situação de guerra no Congo, estava a tentar ir tirar férias no Brasil, perdi o avião e acabei por ficar uma semana em Luanda. E foi uma revelação. Era um momento difícil da história de Angola, ainda havia a guerra, existiam muitas incertezas, mas fiquei logo muito sensível à atitude voluntarista, à consciência de si e à dignidade do povo angolano.
Existem afinidades históricas entre o povo congolês e o angolano.
O meu nome, Sindika, significa "o enviado" em kikongo. A capital histórica do Reino do Congo [M’Banza Congo] é em Angola. Eu faço parte dos bacongos da parte Oeste do Congo que vai até ao Congo Brazzaville e ao Gabão. Obviamente, há uma grande proximidade, temos dois mil quilómetros de fronteira comum, mas eu não fazia a mínima ideia da realidade angolana. A primeira vez que fui a Luanda senti a desproporção entre a fragilidade da situação e a força, determinação e dignidade das pessoas, e isso fez-me pensar sobre o que o meu pai [Augustin Dokolo, banqueiro e coleccionador de arte, nascido em 1935 e falecido em 2001] me falava da altura logo após a independência nos anos 60 até aos anos 75, quando o Congo começou a ter dificuldades económicas. Nessa altura, o futuro era sempre abordado com apetite, com vontade criativa, com sede de dignidade, conhecimento e consideração. Isso é uma coisa muito forte nos angolanos. Ainda hoje. Este foi um traço de carácter dos angolanos que me marcou e fez com que me apaixonasse por Angola.
De 1999 até agora, nota diferenças em Angola?
Ao nível do país, claramente que sim. Houve uma página que foi virada e hoje estamos todos virados para a frente, a escrever outra página que tem as suas oportunidades e os seus riscos. Mas uma coisa forte de Angola, talvez por ter um passado de esquerda, é o de ser um país que sempre se concentrou mais na substância do que na aparência. É um país mais forte dentro do que fora e isso é uma coisa raríssima em África de uma forma geral. Claramente, há uma grande mudança. Hoje deve ser um dos estados africanos mais fortes. Angola conseguiu, em 10 anos, criar um cenário de crescimento económico, uma perspectiva a longo prazo que não vejo em muitos outros países africanos. Ao mesmo tempo, há uma renovação geracional. Não sei se posso dizer que existiu um "baby boom" depois do fim da guerra em Angola, mas claramente temos, hoje em dia, jovens que estão a entrar na vida activa e social, que não conheceram a realidade da guerra e estão a ver o mundo com olhos completamente novos. E isso, obviamente, provoca uma mutação da sociedade.
Começou a coleccionar arte por influência do seu pai. Por outro lado, diz sempre que não tem uma colecção de arte africana, mas sim uma colecção de arte. É um investidor ou um coleccionador?
Não sou um investidor e acho que, na arte, a única maneira de ganhar dinheiro é como nos negócios, é não pensar no dinheiro, mas sim ter uma visão criativa. O dinheiro é apenas uma consequência. Não se pode falar de ser investidor quando se trata de arte contemporânea. Existe um mercado de arte contemporânea com obras que são vendidas por preços muito elevados, mas as colecções que são criadas à volta de artistas muito jovens, novos, não têm muito a ver com investimento porque são um risco total. O propósito da colecção é, sobretudo, ter um papel cultural, mais do que fazer um investimento financeiro.
A arte africana está desvalorizada ou valorizada no mercado internacional?
Depende. A definição de arte africana é muito complexa. Não existe uma arte contemporânea africana. Existem artistas que são africanos e não querem assumir esse perfil de artistas africanos. Por exemplo, um artista como Kader Attia recusa falar da questão de ser africano porque acha que isso é redutor, uma forma de prisão, e ele não se quer deixar fechar nela. Por outro lado, existem artistas como a Marlene Dumas, uma branca sul-africana, que diz que não é holandesa, mas sim africana. E faz questão nisso. Existem no mercado artistas que se assumem como africanos e têm muito sucesso e artistas africanos que não se querem assumir como tal e que também têm sucesso. Ou seja, do ponto de vista contemporâneo, a questão não se coloca. Também não existe um mercado africano suficientemente forte. Na minha opinião, um artista não pode ser muito mais forte fora do seu contexto do que dentro dele.
 
Se um artista nunca teve a oportunidade de mostrar o seu trabalho em África, é muito difícil brilhar fora. Os artistas que referi evoluíram fora, em países como Inglaterra. Para os artistas africanos, há que começar a criar um mercado. E esse mercado africano tem de ser feito por africanos. Num continente que conheceu, durante os 10 últimos anos, o crescimento económico mais importante no mundo, há uma classe média e uma elite económica que tem de ser sensibilizada, educada e encorajada no sentido de valorizar mais a sua produção artística. Esse é o grande desafio, seja para os artistas ainda vivos ou para a arte clássica, que é a arte primitiva, o da dinamização do mercado interno africano. Ou seja, as elites africanas, relativamente recentes, não valorizam porque não conhecem e esse é também um dos propósitos da Fundação. O de dar oportunidade aos artistas de exporem em África e o de dar oportunidade ao público africano de ser confrontado com a sua produção contemporânea e, assim, criar um mercado.

Esse mercado será fundamental para o desenvolvimento da arte em África?
Existe o exemplo da África do Sul. É preciso ver a importância do mercado, das infra-estruturas ligadas à arte, de museus, escolas, galerias, número de artistas conhecidos. Ao mesmo tempo, consegue-se ver claramente, no quadro sul-africano, a importância que tiveram os artistas e a expressão artística no nascimento da nação arco-íris. Eles foram os grandes pensadores e reflectores dos medos da sociedade e desse apetite por virar uma página e se projectarem no futuro.
Como é que escolhe as obras para a sua colecção?
É muito subjectivo porque nunca compro uma peça de que não goste. Mas, tratando-se de arte contemporânea, às vezes, o valor de algumas peças pode deixar o público não informado surpreendido com os valores. Mas o importante é perceber a credibilidade da obra, do artista e do trabalho que tem desenvolvido, a importância no contexto da história da arte e a importância no seu contexto mais reduzido, temporal ou geográfico. Isso permite estabelecer uma hierarquia que depois também se traduz em termos de valor monetário. Para mim, isso é importante. Porque eu quero que a colecção seja relevante, ou seja, que a colecção seja uma reflexão fiel das energias, da criatividade, dos artistas, das grandes questões que moldaram a contemporaneidade africana. Interessa-me muito trabalhar com artistas que questionam temas morais, culturais, sociais, às vezes dolorosos. Questões como a sexualidade ou as fronteiras, que são temas de muita actualidade, às vezes difíceis de interpretar, como por exemplo a homossexualidade.
Houve, recentemente, uma polémica em Angola sobre isso.
Com a telenovela "Jikulumessu". Às vezes, é esse o trabalho do artista. É criar um debate.

O beijo entre dois homens nessa telenovela é um beijo de ruptura. Para o nosso olhar, a polémica é estranha porque a questão da homossexualidade é encarada com normalidade. Em Angola, houve reacções viscerais a esse beijo.
Não concordo consigo. O homossexual não é nada aceite na sociedade europeia. Talvez as pessoas não tenham a facilidade de dizer o que pensam, mas não acho que Portugal, seja por herança do passado, razões religiosas ou políticas, ou por uma certa visão da família, seja um país que esteja muito à frente de Angola. A questão fundamental é que é um tema sobre a evolução da família, sobre os direitos das pessoas, os limites entre o direito do outro e o nosso direito, que consideramos ser o nosso conforto. A protecção que às vezes as pessoas querem ou exigem em relação a algumas ideias que as deixam desconfortáveis. São questões de sociedade que têm uma dimensão internacional. Entre os países africanos, Angola é talvez o mais evoluído nessa aceitação da liberdade de assumir uma opção sexual. O debate era necessário, revelou uma barreira que não era assim tão visível. Por exemplo, o sucesso de uma artista como a Titica [cantora transexual angolana que se tornou um ícone do estilo kuduro] é raro. Não sei se vocês em Portugal têm um artista como a Titica. A cantora austríaca da Eurovisão [Conchita Wurst, nome artístico do travesti Tom Neuwirth] também causou um grande desconforto. São questões universais. É difícil atirar uma pedra a Angola por causa disso. Houve, de facto, uma reacção mais visceral das pessoas que nunca foram expostas a essas questões e que têm uma compreensão muito ultrapassada. Compreendo também a posição do Governo. O Estado tem de jogar o seu papel, que é o de definir alguns limites para permitir uma boa coexistência social. Mas o trabalho do artista é tentar pôr em questão esses limites. Foi um debate bastante saudável. A série continua e conseguiu-se encontrar um equilíbrio e o debate teve a virtude de ter sido colocado em cima da mesa.
Há pouco estava a dizer que só compra obras de arte de que gosta. Qual é o seu gosto?
Tem uma dimensão dupla. O aspecto mais estético. Uma obra não me pode deixar frio. Tem de existir uma relação de sedução que se cria logo à primeira vista. O que eu gosto é dos artistas que conseguem tratar uma questão, seja ela intelectual, estética, social ou moral, com uma verdadeira elegância. Lembro-me muitas vezes, quando era estudante, com 12 ou 13 anos, tinha um professor de Matemática que me ajudava. O que era interessante é que as notas dele eram sempre sobre 15 em vez de notar sobre 20. E os cinco últimos pontos eram pontos de elegância. Ele dizia-me sempre: há várias maneiras de chegar ali e tens um bónus de cada vez que o fazes da forma mais elegante.
Preocupa-se com a forma.
Há muitas propostas que são um pouco óbvias, deselegantes. Há recursos fáceis para chegar a tudo o que é espectacular. Muitas cores ou temas só para chocarem. O que eu gosto mais é da elegância e da subtileza de abordagem de certos artistas. São para estes dois aspectos que olho e que fazem parte do meu gosto estético, o da interconexão que se cria entre a obra e o observador e, ao mesmo tempo, o da presença dessa elegância na obra, o que, para mim, é muito importante.
Voltando à exposição. Ficou surpreendido com o facto de a Câmara do Porto lhe ter decidido atribuir uma medalha de mérito?
Fiquei muito honrado. Muito, muito feliz. Não faço o que faço, não trabalho no domínio da arte por medalhas ou para ter um retorno. Gosto mesmo de arte e o que faço torna a minha vida mais útil. Mas, realmente, fiquei muito feliz porque pensei logo que denota uma evolução grande a nível da relação entre Portugal e Angola. A capacidade de Portugal e de instituições portuguesas de olharem para África e para países com que têm um destino muito próximo e com outros objectivos, isso foi, para mim, motivo de uma grande satisfação. Sinto-me muito honrado e sinto-me com a responsabilidade de dar mais corpo e responder a essa mão estendida, que é como vejo esta condecoração, não com um fim, mas como o início de uma relação. Eu acho que a cidade do Porto virou uma página e gostaria muito que, junto com as instituições culturais da cidade do Porto, pudéssemos escrever um livro a duas mãos.
De que forma é que a arte é útil para a sua vida?
Não só a arte, mas através da arte, a acção cultural que desenvolvemos usando a arte. Especialmente em países emergentes, em países que às vezes não têm uma perspectiva histórica suficiente para se conseguirem projectar a longo prazo no futuro, que nem sequer às vezes têm uma consciência de si próprios, dos seus valores e do seu contributo para se tornarem mais proactivos no discurso internacional. Eu acho que a arte é muito importante para tal. É por isso que um dos objectivos da Fundação é expor o público africano à sua herança contemporânea. Porque o artista questiona e obriga, de certa forma, o público a colocar-se em questão. E num mundo onde a história tem tendência a acelerar e onde, por vezes, estamos a voltar a situações que parecem mais próximas da Idade Média do que à idade da internet. Por exemplo, o que está a acontecer com a guerra de civilizações que está ser criada… É muito importante fazer esse trabalho junto da nossa juventude, para que possamos ter pessoas inteligentes e conscientes que sejam capazes de reflectir.

Viu, com certeza, as imagens de membros do Estado Islâmico a destruírem património no museu de Mosul, no Iraque.
Acho que é uma das coisas mais chocantes que vi recentemente. O que me deixou surpreendido foi que ninguém tenha identificado estes tesouros como alvos militares a defender. Ninguém pensou em defendê-los, da mesma forma que se vai defender uma minoria que está em perigo por causa da política e da visão desses islamitas. É uma responsabilidade de todos nós. A este nível patrimonial também me sinto útil porque nós estamos a desenvolver uma nova vertente que tem a ver com a arte clássica e com os acervos dos museus nacionais angolanos que foram roubados e que, às vezes, aparecem em vendas públicas ou em algumas galerias. Estamos agora a desenvolver um grande projecto de identificação e localização de algumas peças que desapareceram, nomeadamente do museu do Dondo, das civilizações tchokwe. Estamos a tentar criar dinâmicas para conseguir devolver essas peças.

Como é que está o projecto de criação do museu da sua Fundação em Luanda?
Está bastante avançado, mas somos também um pouco vítimas da nossa ambição. Queremos que seja um museu que faça completamente sentido na cidade de Luanda moderna, na cidade de Luanda de 2050, e por isso estamos sempre dependentes do Plano Director. Estamos a trabalhar com as equipas que estão a elaborar esse plano director e a nossa ambição é que possa ser, em termos de localização geográfica e também em termos arquitectónicos, um projecto que possa personificar e modelar a visão que se tem para o futuro de Luanda. Um pouco à imagem da Ópera de Sydney, gostaríamos que o museu fosse uma referência.

Tem algum horizonte temporal para materializar o museu?
Prefiro não começar a criar esse tipo de pressão porque, para mim, o projecto tem de ser perfeito. Eu tenho 42 anos e, se Deus me der um pouco mais de vida, tenho ainda algum tempo pela frente para o realizar. Fazer um museu, para mim, não é plantar uma bandeira em cima de um pico. É conseguir dominar um espaço. Um espaço cultural e geográfico. Para mim, o grande desafio do museu de Luanda é conseguir redefinir a maneira de relacionar a arte com a vida urbana. Acho que existe uma crise generalizada da instituição museu no mundo, um pouco como a instituição Igreja. Hoje em dia, os jovens não entram numa catedral, nunca entraram numa mesquita e isso não lhes passa pela cabeça. Com os museus é a mesma coisa.
A noção do belo deixou de interessar.
Eu acho que foi o facto de não se ter posto em questão, de forma suficiente, esse acesso ao belo. Esse acesso é agora mais complicado. Os museus têm de ser redefinidos. A sua posição, a sua maneira de funcionar. Os museus deviam ser sítios muito mais abertos, muito mais interactivos. Sítios mais contextualizados e com uma abordagem mais fácil. Eu gostaria que o museu de Luanda pudesse pertencer a uma linha da frente em termos de concepção de museus. Não só de funcionalidade, mas também na forma de se relacionar com a cidade e o público. No entanto, nós temos umas ideias para ter um museu temporário, porque percebo que a concretização daquilo que tenho em mente vai demorar muitos anos. Mas nós precisamos de um sítio em Luanda, onde as nossas obras possam estar acessíveis ao público.
Existem alguns artistas portugueses cujas obras gostasse de ter na sua colecção?
Para mim, é difícil a definição da obra ou do trabalho de um artista em função da sua nacionalidade. O que me interessa mais é a qualidade de uma marca de cruzamento de destinos. Geralmente, muitos dos artistas internacionais que tenho na colecção são artistas que trabalharam connosco nalguns projectos e que nós convidámos a irem para a Angola, por exemplo, durante a trienal de arte, e que produziram lá. A importância da reciprocidade. Da consideração pelo outro que é, em minha opinião, a melhor maneira de atingirmos um objectivo em tempo razoável, que é o da existência de um pé de igualdade entre os povos. Eu encorajo sempre os artistas a irem produzir em Angola e a venderem as suas obras em Angola. Não só para dinamizar o mercado, mas também para ter uma atitude responsável para com a história da arte.
Como é que concilia a sua actividade de coleccionador de arte com a de empresário? É mais empresário ou coleccionador?
Sou empresário. A parte da arte é uma paixão. O lado positivo de ter uma instituição como a Fundação é fazer um trabalho permanente sobre a arte.

Em Portugal, quando se fala do Sindika Dokolo, identificam-no como o marido de Isabel dos Santos. Como é que se sente em relação a isso?
Francamente… Eu sou das poucas pessoas que realmente conhecem a Isabel. Uma pessoa que tem um potencial, uma energia criativa, uma força moral e uma inteligência fora de série. Além do amor, tenho por ela uma admiração muito grande, e não tenho problema nenhum em ser identificado como o marido da Isabel. Temos uma proximidade muito grande. Fazemos sempre um trabalho de equipa. Por outro lado, muitas vezes, quando viajamos pelo mundo e vamos a um museu comentam: ah!, é esta a mulher do Sindika Dokolo. OK. Então, de vez em quando tenho esse privilégio de ela ser a minha mulher e não eu o marido dela.

E quanto aos negócios?
São separados. Eu tenho as minhas actividades e ela tem as actividades dela. Obviamente que, para mim, mas não só para mim, para todos os angolanos e para todos os africanos, o facto de ela ser uma mulher jovem, africana, com mãe europeia, é um resumo da revolução extraordinária que África está a conhecer. É, para mim, uma personificação daquilo que África será no futuro, em que já não haverá barreiras nem argumentos subjectivos para impedir uma pessoa que tenha ambição e talento de aceder a qualquer lugar. Isso para mim é uma grande fonte de satisfação.
Nesse sentido, acha que o processo de desenvolvimento de Angola é irreversível?
O processo de desenvolvimento nunca é irreversível. Quando aterrei no Porto fiquei admirado com a qualidade das infra-estruturas, e trabalho muitas vezes com directores e quadros portugueses de altíssimo nível. Além disso, Portugal conheceu uma conjuntura difícil que, graças a Deus, está quase a acabar. Quero com isto dizer que nenhum país está ao abrigo de problemas. Acho que isso é um dos aspectos mais interessantes da arte e dos artistas. É que eles nos ajudam a redefinir e a manter-nos atentos. É isso que me interessa na arte contemporânea, esse questionamento permanente sobre questões fundamentais, que para nós eram adquiridas. Estamos bem, somos desenvolvidos, somos ricos, somos mais democráticos, mais cultos, mais inteligentes e, afinal, o mundo não pára de nos surpreender e as pessoas têm de se pôr em questão. Não é um processo irreversível, mas, de todos os países angolanos que conheço, Angola é o que tem as vantagens estruturais e culturais mais fortes que vi. Não posso ter certezas, mas, em termos de probabilidades, acho que será preciso contar com Angola nas próximas décadas.
A entrevista está ao chegar ao fim e a pergunta é inevitável. Como é que se sente por ser identificado em Portugal como o marido de Isabel dos Santos?

Além do amor, tenho por ela uma admiração muito grande, e não tenho problema nenhum em ser identificado como o marido da Isabel.