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martes, 28 de julio de 2015

ANGOLA - DEBATE SOBRE "PROCESSOS ELEITORAIS: TRANSPARENCIA E ESTABILIDADE"



UNITA explica ao detalhe como as eleições tem sido manipuladas em Angola


Luanda - DEBATE SOBRE “PROCESSOS ELEITORAIS: TRANSPARÊNCIA E ESTABILIDADE”

I- SÍNTESE DO PROBLEMA

Por proposta do Grupo Parlamentar da UNITA, debatemos hoje os Processos Eleitorais, olhando para a sua Transparência que pode assegurar a estabilidade desejada no país, bem como a falta dessa transparência que, a exemplo do que, infelizmente, tem vindo a acontecer noutros países do nosso continente e não só, pode levar o país à desgraça de uma instabilidade de consequências sempre nefastas e imprevisíveis.
O Artigo 4º da Constituição da República de Angola, sobre os “Princípios Fundamentais”, e com a epígrafe “Exercício do poder político”, diz claramente, no seu nº 1, que, e eu vou citar, “o poder político é exercido por quem obtenha legitimidade mediante processo eleitoral livre e democraticamente exercido, nos termos da Constituição e da lei” – fim de citação. “Livre e democraticamente exercido”.
O nº 2 precisará que, e volto a citar “são ilegítimos e criminalmente puníveis a tomada e o exercício do poder político com base em meios violentos ou por outras formas não previstas nem conformes com a Constituição” – fim de citação. A Constituição está a dizer, claramente, que o recurso a métodos fraudulentos de tomada e exercício do poder, quaisquer que sejam, constituem crime. Noutros termos, quem ganha uma eleição deve ganhar porque o voto livre dos cidadãos angolanos assim o determinou, e não por engenharias administrativas e informáticos feitas num gabinete qualquer, com a ajuda de quem quer que seja.

II- HISTÓRIA ELEITORAL ANGOLANA


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Na sequência do golpe de Estado de 25 de Abril de 1975, em Portugal, que abriu caminho para a independência das então colónias portugueses, Angola falhou a sua primeira oportunidade de organizar um processo eleitoral livre e justo, que deveria conduzir ou a FNLA, ou o MPLA ou a UNITA ao poder, legitimamente tomado e exercido, nos marcos democráticos. Tal não aconteceu porque, nessa altura, as opções seriam ditadas por preferências partilhadas entre o chamado “comunismo”, de inspiração soviética, e o capitalismo, de tendência ocidental. O poder foi tomado, assumido e exercido sem qualquer legitimidade, de 1975 a 1992. O Povo angolano não escolheu, de modo nenhum, quem deveria dirigir os seus destinos. O poder foi tomado de assalto, agrade ou não esse termo.
Assim, desde a proclamação da sua independência, Angola organizou três processos eleitorais: sendo o primeiro em 1992, o segundo em 2008 e o terceiro em 2012. Com muita tristeza temos de reconhecer que nenhum deles foi justo muito menos transparente. Dentro de relativamente pouco tempo, o país vai conhecer o seu quarto processo eleitoral, aprazado para 2017, altura em que termina o mandato constitucional do Presidente José Eduardo dos Santos.


Na busca de eleições transparentes, que proclamem, enfim, uma justa escolha dos cidadãos angolanos, importa fazer aqui uma breve retrospectiva factual sobre o que foram os pleitos eleitorais de 1992, 2008 e 2012, antes de olharmos para os desafios e as ameaças que espreitam a organização das eleições de 2017.
Uma análise comparativa dos três processos eleitorais já realizados permite estabelecer a relação necessária entre a estabilidade do regime democrático, a competitividade das
eleições e a alternância ideológica do poder político, permitindo, igualmente, ver como as instituições democráticas angolanas têm sido subvertidas, as regras de jogo sempre viciadas e os resultados eleitorais pré-ordenados. Permite, por outro lado, ver também em que medida o binómio poder/riqueza se tem constituído num sério obstáculo à transparência dos processos eleitorais e à efectiva democratização do país.
Para que as eleições cumpram a condição de jogo interativo, os actores políticos devem aderir à democracia, o que implica aceitar uma eventual derrota nas eleições. Segundo Adam Przeworski, quem quer que seja o vencedor hoje, não pode utilizar o cargo para impedir que as forças políticas adversárias vençam na próxima ocasião. Ou seja, não pode subverter o sistema democrático para passar por cima dos seus resultados. Ora, muito infelizmente, esta tem sido a conduta do poder em Angola, desde o início da transição constitucional para a democracia, negociada em Bicesse, Portugal, em 1991.




Eleições de 1992

Para se compreender o processo de radicalização dos actores políticos no contexto das eleições de 1992, importa recordar alguns aspectos do contexto daquela disputa eleitoral:
Na sequência do fim da guerra fria, em Angola houve uma solução negociada do conflito internacional que envolvia o País, havia 16 anos. Esta solução incluía a fusão de dois exércitos e a realização de eleições “democráticas” em 16 meses, sem, contudo, existirem ainda instituições democráticas. Essas eleições, realizadas nos dias 29 e 30 de Setembro do citado ano, polarizaram o espaço político entre as duas forças políticas que protagonizaram o conflito militar e seus aliados .
A campanha eleitoral foi intensa, o povo participou massivamente e votou com civismo, numa eleição que se revelou competitiva e que foi realizada num ambiente de baixa estabilidade.
Não houve cadernos eleitorais e, como foi revelado mais tarde, os acessos aos códigos de segurança do programa informático que fazia a tabulação dos resultados, estavam viciados. De tal forma viciados, que qualquer técnico do Conselho Nacional Eleitoral tinha acesso ao programa e podia alterar o resultado da eleição, sem deixar rasto.
Mas, apesar de os resultados daquelas eleições terem sido aceites, em 15 de Outubro de 1992, em carta dirigida ao Secretário-Geral das Nações Unidas, mesmo se “reconhecidamente fraudulentas e irregulares”; aceitação reiterada a 17 de Novembro, em carta endereçada ao Senhor Marrack Goulding, Secretário-Geral Adjunto das Nações Unidas para as Operações de Manutenção da Paz, “a fim de dar seguimento ao processo de paz acordado em Bicesse”, a verdade é que essa segunda volta nunca viria a ter lugar.
O conflito reacendeu, os factos foram deturpados e fez-se circular a versão segundo a qual, o conflito reacendeu porque o Dr. Savimbi “havia rejeitado” os resultados eleitorais.
Anos mais tarde, a firma norte-americana Kenotek, LLC. procedeu a uma revisão dos programas fontes, da arquitectura do sistema e das aplicações informáticas que serviram de base para a tabulação dos resultados eleitorais de 1992 e concluíu que:
? o desenho da arquitectura do sistema utilizado e seus mecanismos de segurança não foram concebidos de acordo com os padrões da indústria;
? O sistema utilizado era bastante vulnerável a erros, modificações arbitrárias e corrupção, sem deixar rasto;
? Os seus resultados não podiam ser credíveis porque manipuláveis;
? O arquivo designado Reppre.prg tinha sido utilizado para substituir os resultados apurados nas eleições presidenciais por outros. Para o efeito, tinham sido utilizados valores externos por via do programa “MPxx”. A Comissão Eleitoral tinha-se recusado a partilhar ou mostrar o conteúdo desse programa que foi crucial na fabricação da vitória atribuída ao MPLA;
? O arquivo VV1.dbf continha mais 1.114 dados do que o arquivo “votos.dbf”. Evidenciando que mais dados tinham sido adicionados ao sistema apenas para baralhar qualquer investigação dos resultados.
? O arquivo “Votos.dbf” continha os dados eleitorais. As colunas com os números dos votos não tinham os nomes dos candidatos associados a eles e a única maneira de a CNE associar o MP8 e o MP11 a alguém seria por via de um programa específico, por ela concebido. Isto significa que o funcionário da CNE poderia incluir qualquer nome, até o seu, e atribuir-lhe o número de votos que quisesse. Qualquer pessoa, real ou imaginária, poderia ser declarada vencedora da eleição, o que constituía uma ruptura séria na integridade do processo eleitoral.



Eleições de 2008
Nas eleições de 2008, o contexto político foi outro. A paz militar definitiva tinha sido alcançada, havia já seis anos, e o líder fundador da UNITA já não estava vivo. Foi descalçada calma e claramente a luva da democracia e assumida a postura do autoritarismo, pisoteando a liberdade de expressão, atrofiando o pluralismo político, partidarizando os órgãos de comunicação social públicos, organizando actos de intolerância e violência política contra a UNITA e institucionalizando o terror e a corrupção. Estava restaurado, na prática, o regime ‘totalitário de Partido único’ e a sua máquina propagandística contra as liberdades democráticas. Não ficaram apenas por aqui. Esvaziaram as competências da Comissão Nacional Eleitoral e comprometeram a sua independência. Este órgão, formalmente independente, deixou de ser responsável pela execução dos actos materiais de registo eleitoral e pela produção dos cadernos eleitorais. Deixou de ter também uma composição equilibrada como garantia da sua imparcialidade e independência.
O poder judicial havia afirmado, em Acórdão, que os mandatos anteriores do Presidente Eduardo dos Santos não contavam e que, a partir daquele ano, o Presidente do MPLA se quisesse, estava livre para concorrer à eleição e exercer o seu primeiro mandato como Presidente da República.
As eleições legislativas viriam a ser claramente manipuladas para obter uma maioria qualificada sem precedentes de 82%, enquanto o Presidente José Eduardo dos Santos ignorava a Constituição e não convocava as eleições presidenciais, entretanto prometidas para 2009.
Portanto, o quadro político em que se realizaram as eleições de 2008 foi de alta estabilidade política, mas de baixa competitividade eleitoral.
E que atitude teve a UNITA?
A UNITA foi alvo de forte pressão popular para não aceitar os resultados das eleições e não integrar as instituições delas resultantes. Porém, para preservar o clima de Paz e de estabilidade, a Direcção da UNITA optou por “engolir sapos” e aceitar os resultados de mais essa eleição claramente fraudulenta.
Eleições de 2012
As eleições de 2012 não fugiram à regra, relativamente à fraudulência do processo. De 2008 a 2012, Angola foi sendo uma república com cada vez menos republicanismo, com o Estado a ser cada vez mais violador dos direitos fundamentais dos cidadãos e promotor da institucionalização da endemia da corrupção. Aumentaram vertiginosamente as desigualdades sociais. O enriquecimento injustificado dos detentores do poder público começou a tornar-se uma verdadeira ameaça à paz social. O Presidente da República abandonou a política de compromisso, radicalizou as suas posições e enveredou pela violação grosseira das regras democráticas, ainda na preparação do processo eleitoral de 2012. A UNITA documentou as violações, denunciou-as publicamente e perante a Comissão Nacional Eleitoral, mas sem resultados.
O povo protestou em massa contra tais violações e, sob convocação da UNITA, em Maio de 2012, mais de um milhão de pessoas aderiu à manifestação realizada em simultâneo, em todas as províncias do país. As eleições de 2012 foram, por isso, de alta competitividade realizadas num ambiente de baixa estabilidade política.
A fraude eleitoral orquestrada em 2012 foi um processo complexo bem planeado, executado durante cerca de dois anos, que envolveu actos ilícitos declarados, puníveis pela lei penal. Por isso, foi objecto de uma queixa-crime apresentada junto do Procurador Geral da República, em 11 de Março de 2013, suportada por 123 provas documentais e pela identificação de 57 individualidades que se declararam disponíveis para prestar declarações e fornecer provas adicionais para apoiar a investigação.
Com efeito, foi criada, equipada e financiada, com o erário público, uma estrutura paramilitar clandestina que organizou, conduziu e executou as operações de falsificação de documentos eleitorais, fraudes com boletins de voto, fraudes com cadernos eleitorais, fraudes com actas das assembleias eleitorais, e de sabotagem do sistema de apuramento e transmissão dos resultados eleitorais, tudo com o objectivo de impedir o exercício da soberania popular e permitir que o Presidente tomasse e exercesse o poder político por formas não previstas nem conformes com a Constituição.
A UNITA informou em detalhe, a forma dolosa como os actos foram planeados e executados como sendo, entre outros,

• a utilização, para o apuramento final da vontade soberana do povo, de documentos eleitorais inválidos, distintos daqueles onde tal vontade foi inicialmente manifesta, e que foram preenchidos e assinados nas mesas de voto pelos agentes eleitorais oficiais;

• a utilização de actas falsas, com resultados falsos, pré-ordenados;
• Nunca foram publicados os cadernos eleitorais;
• Nunca foram publicados os resultados por mesa;
• Os resultados que foram lidos e atribuídos aos partidos políticos não foram os apurados nas mesas;
• As actas que serviram de base para o anúncio oficial dos resultados, de cor branca, não foram as actas oficiais, cor de rosa, estabelecidas por lei e assinadas pelos representantes dos partidos políticos; para citar apenas estes.




O relatório da CNE relativo ao ano de 2012, que nos poderia dar a visão desse órgão sobre como correram e decorreram as eleições, nesse ano, não chegou às mãos das forças políticas na oposição, ficando por saber as razões de tal atitude.

A preparação das eleições de 2017

Contrariando o disposto nos artigo 107º e 117º da Constituição da República, com os votos únicos dos deputados do MPLA, esta Assembleia Nacional aprovou recentemente uma proposta de lei do registo eleitoral que retira da CNE e atribui ao Executivo a competência de organizar e executar o registo eleitoral, decidindo, assim, quem pode ou não votar, sob pretexto de que “Registo Eleitoral” não é “matéria eleitoral”. Pretende-se, claramente, construir uma nova base de dados do registo eleitoral para ser utilizada nas eleições gerais de 2017, que deverá excluir os angolanos residentes no estrangeiro, manter activos por um período de vinte anos o registo dos cidadãos já falecidos. O registo vai – e está já a ser feito – nas Administrações Municipais, que são, como ninguém ignora, órgãos partidarizados da administração central do estado, subordinados, portanto, ao Titular do Poder Executivo.




Além de inconstitucional, essa lei ofende o princípio da transparência e propicia a estruturação da fraude eleitoral, porque não permite a fiscalização da base de dados que o Executivo vai criar.
A UNITA tem vindo a alertar que essas manobras , de clara falta de transparência nos processos eleitorais, estão na base da grande e grave instabilidade política que vêm vivendo alguns países do nosso continente, como foi o caso Costa do Marfim, do Burkina Faso, República Democrática do Congo e, presentemente, o Burundi, para citar apenas estes. Nenhum angolano quer esse tipo de situações no nosso país. É preciso, no entanto, assumir o facto de que Angola e os angolanos não têm condições para suportar uma nova fraude eleitoral.




Podemos fazer as coisas com lisura e transparência? Claro que podemos! Aliás, isso até é recomendável, além de ser uma necessidade imperiosa. Se queremos todos estabilidade no país, ajamos todos com transparência. O contrário poderá perigar a estabilidade em Angola.


Raúl Manuel Danda

Presidente do Grupo Parlamentar da UNITA