Ministro da Justiça na contramão da lei (II)
Luanda
- Um valioso quadro angolano, João Domingos Francisco (Baltazar),
Conservador de 1ª, está tecnicamente desempregado há um ano porque o
Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos decidiu, ao arrepio da lei,
transferi-lo para a província do Namibe, medida que ele rejeita com o
amparo de vários diplomas legais.
Fonte: Club-k.net
Em
Abril de 2013, Rui Jorge Carneiro Mangueira, por via do despacho nº
131/GMJH, decidiu, unilateralmente, que João Domingos Francisco deveria
ser transferido para a Conservatória dos Registos da Comarca do
Namibe. Licenciado em Direito, Baltazar evocou o Artigo 29º do Decreto
nº 25/91, do Conselho de Ministros, para reclamar da decisão do
ministro. O referido Artigo estabelece que a transferência de um
servidor público “faz-se a requerimento do funcionário ou por via
conveniência da Administração, devidamente fundamentada e com o acordo
do interessado”. Nenhuma das duas condições se verificou no acto do
ministro.
Tomado pela ira por um seu
subordinado haver ousado contestar-lhe a decisão arbitrária que tomou,
no dia 4 de Julho do mesmo ano Rui Mangueira mandou comunicar a João
Domingos Francisco que mantinha integralmente a sua decisão anterior e
avisou que se o Conservador não a acatasse de imediato seria alvo de um
processo disciplinar por desobediência.
Mas
por cautela ou por outra razão qualquer, Rui Mangueira decidiu remeter
a reclamação de João Domingos Francisco ao Gabinete dos Assuntos
Técnico-Jurídicos a quem pediu parecer. Antes não o fizesse!
Preenchido
por quadros que dominam o seu ofício, o Gabinete produziu um parecer
que deixou Rui Mangueira completamente de cócoras. No parecer, fica
claro que ou o Ministro da Justiça desconhecia a existência do Decreto
25 do Conselho de Ministro ou pensa que o Ministério da Justiça e dos
Direitos Humanos é um feudo privado em que o único soberano é ele.
O
Club-K publica o parecer do Gabinete dos Assuntos Técnico-jurídicos
integralmente para o caso, eventual, de Rui Mangueira não o ter
interpretado bem. É uma peça que ajudará também os seguidores deste site
a compreender que certos titulares de cargos políticos se comportam
como se fossem, eles próprios, a lei.
“Assunto: Reclamação do Conservador de 1ª Classe, Dr. João Domingos Francisco
“ Sobre a petição acima descrita em síntese cumpre-nos referir com a máxima objectividade que nos é possível, depois de conferido o parecer do Sr. Dr. Silvano Kachupe e ponderado o seu sentido geral, o seguinte:
UNÍCO - DOS FACTOS E DA SUA RELEVÂNCIA JURÍDICA
1) O Funcionário, melhor descrito a jusante, reclama com legitimidade e em tempo, nos termos do Decreto - Lei – nº 16A/95; o mesmo desempenha as suas tarefas no sector da Justiça desde 1977 e desde 1981 teve uma ascensão gradual na sua carreira, passando de Ajudante de Conservador de 2ª e 1ª Classes, além de por pelo menos três vezes ter desempenhado funções de Conservador Adjunto e de Conservador de 1ª Classe em três Conservatórias de 1ª , Classe
de Luanda, incluída esta última; (NE: a última Conservatória em que
Baltazar foi Conservador de 1ª foi a 7ª, à Vila Alice, em Luanda)
2) Nestes casos, foi notória a orientação Vertical dos Vossos Nobres antecessores de que tais movimentações visaram uma melhor organização dos Serviços do Registo Civil em causa por se Ihe reconhecer capacidade técnica e organizativa para o efeito, méritos que nos parecem comummente reconhecidos por se tratar de alguém que tem aliado a sua experiência profissional à sua formação académica feita, de modo regular, no Curso Nocturno da Faculdade de Direito da UAN priorizando o desempenho da sua actividade laboral sem deixar de dar as mais-valias de que dispõe neste segmento do Direito, sempre que chamado a prestar a sua opinião técnica e prática nos Serviços Técnicos da Direcção Nacional dos Registos e do Notariado e na modernização dos serviços em curso;
3) Da análise do presente expediente, constatamos, ressalvada Vossa diferente opinião que o Vosso vertical Despacho de transferência do Requerente para a província dos Namibe (normalmente tida como mobilidade
especial), a afim de desempenhar iguais funções por não ter sido
resultado do pedido do Requerente, devia ter sido precedido, na fase da
sua instrução, da devida comunicação, audição e acordo do Reclamante
(Cfr. artigo 29° in totum do Decreto nº 25/91, de 29 de Junho); o que
podia ser feito em qualquer fase do procedimento (artigo 52° do
Decreto-Lei nº 16 A/95), uma vez que a deslocalização física de qualquer
funcionário, e neste caso em concreto alguém do topo da carreira toda
ela feita numa determinada localidade, Luanda, já que além de imposição
legal, a transferência, não sendo uma promoção,
resulta sempre em transtornos pessoais e sociais previsíveis mesmo que
tal ocorresse dentro da província de Luanda (o que seria a mobilidade
normal), situação que o interessado já experimentou par mais de duas
vezes…
4) Não tendo sido chamado a se pronunciar, o Vosso acto resultou em surpresa para o interessado que alega, ao que parece validamente, nunca ter sido comunicado, como resulta da lei, não ter dado o seu acordo, facto que gera efeitos pouco desejáveis na motivação de um alto quadro de um segmento complexo, o registo civil, nos seus pares, e um indesejável efeito multiplicador negativo nos funcionários em geral, segmento este que é o cerne nevrálgico daquela Direcção Nacional que, decerto, precisará do contributo de quadros como Este e que já escasseiam também para as Vossas futuras e melhores decisões
sobre a matéria; aliás, deste modo, a transferência por conveniência de
serviço não resultou fundamentada como exige a norma do artigo 67° do
supra citado Decreto-Lei.
5) Por outro lado, o interessado apresenta vários elementos que justificam a sua permanência em Luanda por razões de reagrupamento familiar que vão desde o acompanhamento médico especializado urgente e regular (do fórum oncológico) ate à larga implantação da sua família há quase quarenta anos nesta localidade que não podem ser postos de parte no âmbito da Vossa decisão;
Considerando
assim ponderados os elementos de natureza jurídica, no caso a não
verificação da comunicação, audição e consentimento no procedimento
legalmente previsto, decerto alheio à Vossa melhor vontade, tendo em
conta que o interessado por outras ocasiões de mobilidade normal aceitou
e desempenhou como Ihe foi ordenado o seu cargo e funções, bem como o
facto de ser um funcionário no topo da carreira com conhecimentos
reputados na área do registo civil em que não se surpreende abundância
em Luanda, antes
pelo
contrário, se advinha procura, e ainda ser um funcionário largamente
implantado em Luanda há mais de 40 anos e a conviver com uma situação
familiar difícil, somos a propor e a concluir pela:
a) Emissão de um acto idêntico, seguindo o principio do paralelismo de formas,
de modo a suspender os efeitos do Vosso acto de transferência do
interessado para o Namibe, já praticado, a fim de repor uma rápida
estabilidade jurídica e emocional ao Reclamante;
b)
Ponderar a revogação Vosso vertical acto de transferência e, enquanto
isso, comunicar ao Reclamante para efeito de audiência do interessado
que assim teria a oportunidade de expor as suas razões no sentido de
anuir ou não, sobre a sua transferência e melhor iluminar a Vossa
decisão;
c) Ponderar, no
melhor que Vos for possível se se justificaria na actual fase a saída de
Luanda de funcionários dos Registos e do Notariado, por mobilidade excepcional e conveniência de Serviço, para desempenhar idênticas funções noutras partes do país, dada a evolução demográfica e as necessidades visíveis de modernização e expansão dos serviços cuja complexidade requer uma certa segurança jurídica e emocional dos
quadros com experiência por serem serviços de execução diária, regular e permanente para os quais os funcionários concorreram dentro de um quadro de pessoal e foram admitidos, organizaram a sua vida e criaram expectativas jurídicas concretas.
À Vossa genuflectida ponderação e decisão,
Gabinete dos Assuntos Técnico - Jurídicos em Luanda, aos 10 de Maio de 2013. “
Apesar
da indulgência dos funcionários do Gabinete dos Assuntos
Técnico-Jurídicos, que claramente quiseram poupa-lo dos constrangimentos
que acompanham os fora de lei, o que fica demonstrado nos três
cenários que lhe sugerem para que saísse do imbróglio em que se meteu da
melhor forma possível, o ministro reagiu com prepotência e sobranceria.
“O
presente parecer dá-nos uma perspectiva errada, na medida em que o
preceito em causa não se aplica ao caso vertente, por não se tratar de
uma transferência horizontal. Assim, o pedido é indeferido e mantenho o
meu despacho. O funcionário deve apresentar-se no prazo de 48 horas,
findo os quais, será instaurado um processo disciplinar por
desobediência”, rugiu o ministro em reacção ao parecer do Gabinete dos
Assuntos Técnico-Jurídicos.
Não
obstante ser licenciado em Direito pela Universidade Agostinho Neto, a
reacção de Rui Mangueira ao parecer do GATJ prova uma coisa: Direito
Administrativo é território que o Ministro da Justiça e dos Direitos
Humanos desconhece completamente.
Na
sua irreflectida reacção, Rui Mangueira confundiu a reclamação de João
Domingos Francisco com um pedido, algo que possivelmente decorre da sua
tortuosa relação com a gramática, e, depois, esqueceu-se de esclarecer
em quais circunstâncias se aplica o “preceito”, ou seja, o nr. 29ª do
Decreto nº 25/91. A um jurista sério e bem preparado se esperaria que
nomeasse o diploma que se adequaria ao caso.
Se
fosse um homem sensato e humilde, coisa que está longe de ser, Rui
Mangueira não só deveria desdobrar-se em agradecimentos aos técnicos do
Gabinete dos Assuntos Técnico-jurídicos por lhe haverem aberto os olhos,
como deveria ponderar seriamente o regresso aos bancos da Faculdade de
Direito da Universidade Agostinho Neto para se familiarizar melhor com
assuntos relativos ao Direito Administrativo.
O
conflito que o Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos mantém com um
alto funcionário do sector mostra, ainda, que quando se trata de
coerência é avisado não contar com ele.
Como
se escreveu acima, no dia 4 de Julho de 2013 o ministro advertiu que o
conservador João Domingos Francisco deveria apresentar-se no Namibe no
prazo de 48 horas, findo o qual ser-lhe-ia instaurado um processo
disciplinar por desobediência. Passado mais de um ano, Rui Mangueira
não deu um único passo no sentido de concretizar a ameaça. Tolhido pela
lei, que respeita com muita relutância, o ministro recorreu à vingança:
ordenou aos competentes serviços do Ministério que mantivessem o soldo
mensal devido a João D. Francisco, mas que lhe retirassem os subsídios a
que ele tem direito.
Quando esse
conflito for finalmente dirimido, o ministro da Justiça e dos Direitos
Humanos de Angola não apenas será consumido pela vergonha como será
obrigado a repor, do próprio bolso, os subsídios que nega ao conservador
Baltazar. Por certo, o Tribunal de Contas impedirá que o ministro faça
uso de fundos públicos para ressarcir uma dívida provocada pela sua
arrogância e desconhecimento da lei.