Ex-guarda-costas de Fidel diz que Cuba queria controlar recursos em Angola
- Categoria Política
Lisboa -
Ex-guarda-costas de Fidel revela, em livro de memórias, segredos
inconfessáveis do "comandante", desde a forma como se apropriou de
recursos angolanos até ao modo como comandava as tropas à distância,
Fonte: Observador
Juan
Reinaldo Sánchez, ex-guarda-costas de Fidel Castro, que revela num
livro o alegado envolvimento do líder histórico cubano no tráfico de
droga, disse à Lusa que Havana queria controlar os recursos naturais em
Angola.
“Fidel Castro queria mais de Angola.
Fidel Castro dizia que ia levar de Angola apenas os mortos, mas não foi
assim. Eu vi no gabinete de Fidel Castro uma caixa de tabaco repleta de
diamantes. Não eram diamantes grandes, eram diamantes pequenos, mas a
caixa estava cheia”, relatou.
“Fidel, através do seu ajudante José
Naranjo e do secretário Chomy, mandou vender esses diamantes e depositar
o dinheiro nas suas contas bancárias fora de Cuba”, disse à Lusa o
homem que foi guarda-costas do Presidente cubano durante 17 anos.
As memórias do elemento do círculo de
segurança mais próximo da cúpula do regime cubano é autor do livro “A
Face Oculta de Fidel Castro” que vai ser lançado em Portugal na
quarta-feira e que inclui não apenas questões internas de Cuba, mas
também o envolvimento de Havana na guerra em Angola, sobretudo a
“Operação Carlota” em 1975 e a batalha do Cuíto Cuanavale, no final dos
anos 1980.
“Eu tenho informações e além do mais vi.
Fidel tinha outra ideia com Angola. Essa ideia sobre o
internacionalismo proletário; essa ideia de ajudar os irmãos africanos;
essa ideia de ajuda entre os povos é propaganda. É um mito”, sublinhou,
referindo-se ao envolvimento de Cuba com o Movimento Popular de
Libertação de Angola (MPLA).
“Fidel Castro não queria apenas o
petróleo, mas também outros recursos naturais de Angola. Queria ir
buscar mais depois da guerra, mas o que aconteceu foi que o aliado
incondicional – Agostinho Neto – morre e José Eduardo dos Santos não lhe
deu essa possibilidade”, explicou Juan Reinaldo Sánchez.
Segundo o guarda-costas, que vive
atualmente exilado nos Estados Unidos, as primeiras “contrariedades”
entre o chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos, e Fidel
Castro dão-se nas conversações de paz após a batalha do Cuíto Cuanavale.
“José Eduardo dos Santos faz tudo nas
costas de Fidel Castro que se indigna e manda vir um representante do
Bureau Político de Angola a Havana e queixa-se. Começam os problemas com
José Eduardo dos Santos. Uma coisa é a política e as fotografias e
outra coisa é o que vem do interior das relações”, afirmou.
Sanchéz, 65 anos, começou a ser
“vigiado” porque a família abandona Cuba e é finalmente detido após ter
pedido a reforma, em 1994.
Consegue abandonar o país em 2008 a
bordo de uma balsa em direção à costa mexicana, onde iniciou o exílio e
recordou que começou a ficar “profundamente desiludido” com o líder
histórico cubano depois de se ter apercebido de que Fidel coordenava uma
rede de tráfico de droga.
“Fidel era o meu deus. Não era o homem
pelo qual estava preparado a dar a minha vida, mas muito mais: no fundo
estava inclusivamente desejoso de dar a minha vida por Fidel mas um dia
ouço uma conversa entre o ministro do Interior, José Abrantes, e o
presidente, em que me dou conta que Fidel está a dirigir tudo. Fiquei em
choque. Senti-me utilizado, enganado porque afinal eu estava a tomar
conta de um narcotraficante”, acusou Sánchez.
O autor do livro recordou que, até essa
altura, Fidel Castro dizia que as acusações eram uma “manobra do
imperialismo” e que Cuba era o país que tinha menos problemas de droga
de todo o continente.
“Afinal quem dirigia o tráfico era
Fidel. Para financiamento da revolução e para ele mesmo, para proveito
pessoal para as suas contas no exterior”, afirmou.
Para Sánchez, a revolução cubana é um
fracasso porque “do ponto de vista económico” abraçou uma causa que
falhou no mundo inteiro, considerando que o “caso chinês é uma mistura”
que não pode ser relacionada com os fundamentos originais do socialismo.
“Na China, o partido comunista exerce
poder sobre a população e sobre o Estado mas na economia é capitalista.
Na América Latina, a partir de Hugo Chávez, na Venezuela, querem
chamar-lhe ‘socialismo do seculo XXI’ mas isto assim não é socialismo”,
disse.
Juan Reinaldo Sánchez acompanha a
situação em Cuba a partir de Miami, nos Estados Unidos, mas não acredita
em mudanças em Havana até porque a oposição e os dissidentes não estão
organizados.
“O terror do governo cubano é que haja unidade na dissidência”, conclui o antigo guarda-costas de Fidel Castro.
A guerra comandada a partir de Havana
No
livro “A Face Oculta de Fidel Castro” o antigo guarda-costas do líder
histórico cubano relata também as incompatibilidades com o general
Ochoa, que um mês depois de ter sido criticado pelo curso da guerra em
Angola acaba fuzilado.
“No Palácio ou no ‘war room’ ouvi Fidel
fazer a Raúl Castro observações do tipo: ‘o Ochoa está a dar sinais de
incapacidade’, o ‘Ochoa não se apercebe da realidade’, ou ainda ‘Ochoa
já não tem os pés na terra’”, relatou Juan Reinaldo Sanchéz, que vive
exilado em Miami, Estados Unidos.
Herói da Revolução cubana, membro
destacado da resistência contra Fulgêncio Batista, além de ter
participado com Che Guevara na formação de grupos de guerrilha no Congo e
mais tarde na Venezuela, Ochoa foi um elemento essencial no envio de
tropas cubanas para Angola em 1975, comandou as forças expedicionárias
na Etiópia em 1977-1978 e foi, a mando de Fidel, conselheiro especial do
ministro da Defesa da Nicarágua.
Após dois grandes desastres militares
soviéticos em Angola, Ochoa é enviado para o terreno, onde participa na
batalha do Cuito Cuanavale, contrariando muitas vezes as ordens diretas
do próprio chefe de Estado cubano.
Em janeiro de 1988, em plena batalha do
Cuito Cuanavale, o general Ochoa, caído em desgraça, é chamado a Havana,
tendo sido fuzilado um mês de depois, acusado de tráfico de droga.
Segundo o autor do livro, Ochoa acaba
por ser o bode expiatório daquilo que poderia transformar-se num
escândalo com proporções internacionais e que envolvia o próprio Fidel
Castro em esquemas de tráfico de droga como meio de financiamento da
revolução.
O livro que dedica um capítulo à participação de Cuba na guerra em Angola não deixa de notar as capacidades militares de Fidel.
“O feito é extraordinário, pelo que
merece ser sublinhado: durante toda a guerra, Fidel dirigiu as operações
militares a partir de Havana, quase do outro lado do mundo. Era vê-lo
entregue ao trabalho, o estratego no ‘war room’, rodeado de mapas do
Estado-Maior e de maquetas de campos de batalha” recordou o antigo
guarda-costas do presidente sobre os meses em que se travou uma das mais
importantes batalhas travadas no continente africano.
Em Cuito Cuanavale, Angola, registou-se o
confronto final “entre Cuba e a África do Sul” durante seis meses, de
setembro de 1987 a março de 1988, resultando num impasse em que ambas as
partes reivindicam a vitória mas os sul-africanos admitiram que jamais
derrubariam “o governo marxista” militarmente.
“Aceitaram negociar a paz nos seguintes
termos: Fidel repatriaria o seu exército para Cuba, sob a condição de
que o South African Defense Force (SADF) deixasse a Namíbia e outorgasse
a independência total àquela ex-colónia alemã que desde 1945 se
encontrava sob protetorado sul-africano”, recordou Sánchez.
Pouco depois, é proclamada a
independência da Namíbia e na “mesma época o regime racista de Pretória”
foi levado a fazer outras concessões, como a libertação de Nelson
Mandela. “Três anos mais tarde, Nelson Mandela declarou: ‘Cuito
Cuanavale pôs fim ao mito da invencibilidade do opressor branco. Foi uma
vitória para toda a África”, recordou Sánchez.
O guarda-costas de Fidel Castro
referiu-se ainda à “Operação Carlota”: a ponte aérea e marítima entre
Havana e Luanda em 1975 a pedido de Agostinho Neto, que tinha conhecido
Che Guevara dez anos antes no Congo.
No outono de 1975 na véspera da
independência milhares de soldados cubanos estão já estacionados em
Angola sem que Fidel tenha informado Moscovo das “grandes manobras”
africanas. Em 1980, “após a morte natural de Agostinho Neto”, a situação
complica-se com a invasão norte-americana de Granada onde são
capturados 638 cubanos e depois em Angola, onde os sul-africanos
relançam a ofensiva militar no sudeste do país.
“No terreno as baixas não param de
aumentar. Decorridos dez anos do início do conflito, as mães cubanas
vivem com um medo permanente”, escreveu Sánchez referindo que “ao todo”
as baixas de Havana em Angola atingiram os 2.500 mortos.
No livro Sanchéz contou que assistiu às
divergências entre cubanos e soviéticos sobre o curso da guerra e as
críticas de Fidel contra as más decisões de Moscovo no teatro de
operações.