MENSAGEM DA CEAST SOBRE AS
ELEIÇÕES 2017
Saudamos os Cristãos, bem como os homens e mulheres de boa vontade: “A Paz
esteja convosco”.
Reunidos na bela e acolhedora cidade de Catumbela, diocese de Benguela, entre
os dias 24 a 30 de Março, na primeira Assembleia Plenária Ordinária, e
movidos pela vontade de servir o bem comum, gostaríamos de dizer uma palavra
que ilumine e ajude a superar o ceptismo, a desconfiança e a indiferença
diante dos acontecimentos importantes que marcam o nosso País, neste ano de
eleições.
Sabemos e compreendemos que pertence à política a construção de uma sociedade
justa. Contudo, com o Papa Francisco relembramos que “, a Igreja não pode nem
deve ficar à margem na luta pela justiça. Todos os cristãos, incluindo os
Pastores, são chamados a preocupar-se com a construção dum mundo melhor”
(Evangelium Gaudium 183).
2. Neste ano de 2017, o processo eleitoral marca, sem dúvida, a vida da
sociedade e também da Igreja de Angola. A fé cristã não diminui em nada a
nossa condição de cidadãos, pelo contrário, aumenta a nossa responsabilidade
de vivermos e actuarmos como cidadãos cuja vida – pessoal e colectiva – vai
sendo transformada pela força do Amor de Deus derramado nos nossos corações
(Rom 5,5).
ELEIÇÕES E A BUSCA DO BEM-COMUM
3. Passaram-se pouco mais de quarenta anos desde a conquista da Independência
de Angola. Todavia, continuamos a sonhar com um País próspero, democrático,
sem corrupção, socialmente justo e economicamente sustentável. A vida do
país, que não é senão a vida concreta das angolanas e dos angolanos, deve
sobrepor-se sempre às lógicas do poder e dos interesses estritamente
partidários. Angola precisa que quem governa seja competente e governe para
todos e não apenas para aqueles que o elegeram e, pior ainda, para uma elite
de privilegiados. Precisa igualmente de uma oposição forte que “obrigue” quem
governa a dar o melhor de si em prol do bem de todos. A democracia não é a
“ditadura da maioria”; deve procurar o consenso e, mesmo que se decida pelo
voto da maioria, deve valorizar-se as contribuições das minorias, cujos
direitos têm de ser sempre respeitados no quadro do Estado Democrático e de
Direito. Deste modo, tanto aqueles que receberem o mandato de governar como
quem está na oposição desempenham uma função nobre e necessária ao bem do
País, devendo servi-lo através de uma atitude de diálogo construtivo, o mais
consensual possível, particularmente sensível e atento às necessidades dos
membros mais vulneráveis da sociedade.
4. Amados Cristãos, caros cidadãos, devemos todos ter presente que “o bem
comum empenha todos os membros da sociedade: ninguém está escusado de
colaborar, de acordo com as próprias possibilidades, na sua busca e no seu
desenvolvimento (Compêndio de Doutrina Social da Igreja 167). Nesta linha de
ideias, recorda-nos a Igreja que, “a responsabilidade de perseguir o bem
comum compete, não só às pessoas consideradas individualmente, mas também ao
Estado, pois que o bem comum é a razão de ser da autoridade política” (Cf.
CDSI 168). A partir deste pressuposto, os verdadeiros políticos são aqueles
que buscam, antes de tudo, o Bem-Comum do seu povo, concretamente desta nossa
Grande Família chamada Angola. Este é, e deve ser, o selo de autenticidade 2
dos governantes, no presente e no futuro, e constitui condição essencial do
desenvolvimento do nosso País.
5. Na prossecução desta finalidade, o processo eleitoral é uma forma
privilegiada, se bem que não a única, dos cidadãos poderem, através da
escolha expressa pelo seu voto, contribuir para a construção de uma sociedade
mais justa para todos. De facto, as eleições são apenas um “instrumento” que
permite aos cidadãos escolherem os seus representantes e o projecto político
que querem ver implementado nos próximos anos.
6. Recordemos quantas gerações de angolanos sonharam e lutaram para que fosse
possível que cada um expressasse, através do voto, a sua opção para o
presente e o futuro de Angola. Este é um direito cívico e político que,
infelizmente, muitos nunca tiveram a oportunidade de exercer. E nós, que
agora temos a possibilidade de exercer esse direito, vamos desprezá-lo?
ELEIÇÕES DEMOCRÁTICAS
7. Constatamos, com preocupação, em muitos dos nossos concidadãos um certo
desencanto, em relação ao novo processo eleitoral, que foi notório no
desinteresse de muitos pela actualização do registo eleitoral. Há muitas
pessoas, principalmente entre as mais vulneráveis, que se sentem defraudadas
pela incoerência entre o conteúdo dos programas políticos escolhidos em
eleições anteriores e uma prática política que muitas vezes os ignora,
favorecendo quem tem influência política e poder económico ou militar.
8. Quem se deixa levar pelo desencanto face às debilidades da democracia
angolana, com a sua desistência, abdica do esforço necessário para procurar
construir uma vida melhor para todos. Como pode, quem não participa na vida
política, esperar um futuro melhor, se nega o seu esforço para que esse
futuro se torne uma realidade ao longo de um processo de aprendizagem
conjunta que todos, como cidadãos deste País, temos de continuar a fazer em
ordem ao aperfeiçoamento da nossa democracia?
9. A democracia não é necessariamente virtuosa, não é fim em si mesma, não se
implementa “por decreto”, mas exige uma aprendizagem permanente, uma educação
cívica democrática e a contribuição de todos os cidadãos e actores sociais
para se ir desenvolvendo e aperfeiçoando. A este respeito, convém recordar o
ensinamento de São João Paulo II na Centesimus Annus, “a Igreja encara com
simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos
cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer
de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir
pacificamente, quando tal se torne oportuno; ela não pode, portanto,
favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes, que usurpam o poder
do Estado a favor dos seus interesses particulares ou dos objectivos
ideológicos ” (CA 46). É a “partidocracia” que quase sempre leva ao
imobilismo e ao parasitismo social.
10. Há eleições democráticas quando o povo pode escolher, com liberdade e
responsabilidade e sem intimidação nem aliciamentos, aqueles que, a seu ver,
têm qualidades necessárias, para promoverem o Bem-Comum; quando os partidos
concorrentes à governação realizam livre e responsavelmente a sua campanha
eleitoral, num clima de segurança e respeito por todos. Neste ponto, os
órgãos públicos de manutenção da ordem têm um papel fundamental e uma
responsabilidade que lhes é própria.
11. A campanha eleitoral não deve distrair os cidadãos do essencial: o mais
importante não é o partido que ganha as eleições, mas a idoneidade e a
capacidade das pessoas escolhidas pelo voto para 3 corresponderem, com o seu
trabalho ao serviço do bem comum, à confiança que nelas foi depositada pelos
seus concidadãos. Não é demais recalcar que é importante reconhecer o valor
das iniciativas alheias e que a autocrítica dignifica qualquer partido ou
candidato.
12. Espera-se dos partidos políticos que concorrem às eleições a obrigação de
apresentar aos cidadãos o programa político que pretendem implementar se
forem eleitos, não se limitando a apontar meias frases ou metas vagas, como:
melhor educação, melhor saúde,… combate à corrupção, mas esclarecendo que
metas concretas se propõem alcançar, como se propõem alcançá-las, quais as
pessoas competentes com que cada Partido conta para pôr em prática o seu
programa político. Por outras palavras, trata-se de ultrapassar as promessas
populistas, vazias de conteúdo e dificilmente realizáveis. Vai sendo tempo de
habituar o povo a assistir ao debate de ideias entre os candidatos.
13. A par dos órgãos competentes previstos pela lei, todos devemos contribuir
para o bom curso do processo eleitoral. Os responsáveis políticos e
partidários devem assegurar a máxima transparência de todas as fases do
processo eleitoral para que decorra de forma pacífica e a sua credibilidade
não seja colocada em questão. Este apelo dirige-se de igual modo à sociedade
civil em geral. Se alguém detectar alguma irregularidade deve informar e
reclamar imediatamente, nos termos da lei, para que, eventuais
irregularidades sejam analisadas e tidas em conta antes da divulgação dos
resultados, de modo a que estes não venham a ser questionados.
14. A Igreja Católica não se identifica com nenhum sistema político nem
endossa algum candidato. A igreja encoraja e exorta todos os cidadãos a
exercer o seu direito e dever de voto. Evidentemente que para os cristãos e
homens de boa vontade, nem todos os programas valem. Os fiéis podem e devem
legitimamente escolher diferentes programas políticos, ser militantes ou
apoiantes de diferentes partidos políticos. Este exercício, cada um deverá
fazê-lo de forma informada e consciente, à luz da sua fé e tendo em conta os
princípios da Doutrina Social da Igreja e do direito Natural, nomeadamente no
que diz respeito à: dignidade da pessoa humana – defender os valores da vida
desde a concepção até à morte natural, da família, da justiça e o acesso de
todos aos bens económicos, sociais e culturais indispensáveis a uma vida
digna; o bem comum – a justiça social e o respeito pelos direitos humanos,
promover o combate eficaz à corrupção; a solidariedade – tendo em conta o
destino universal dos bens da criação, promover políticas centradas nas necessidades
dos mais pobres, fomentar a inclusão social; a subsidiariedade – aproximar,
tanto quanto possível, os decisores e os centros de decisão dos cidadãos; as
autarquias – apresentar a calendarização da implementação das autarquias como
pressuposto para fortalecer a Democracia; o ambiente, o cuidado pela “casa
comum”, as nossas florestas, rios, mares, montanhas etc.
15. A vida democrática do país não termina com o processo eleitoral, nem fica
suspensa até ao novo acto eleitoral. Todos os cidadãos devem continuar a
participar na vida democrática do país, fiscalizando a acção do Governo
eleito e promovendo iniciativas que contribuam para a construção de uma
Angola melhor para todos, de uma Angola de cidadãos, onde todos se sintam
construtores do País.
ALGUMAS ORIENTAÇÕES PRÁTICAS E ÉTICA NAS ELEIÇÕES
Eleições Viradas para o Futuro
16. Os órgãos de Comunicação Social, sobretudo os estatais, têm sido
excessivamente unilaterais e tendenciosos. Para a sua credibilidade, devem
desempenhar o seu papel, extremamente importante, ao longo de todo o processo
eleitoral, com rigor e isenção, garantindo o acesso à informação sobre os 4
diferentes candidatos e programas políticos; noticiando com verdade e
imparcialidade. Cada Órgão de Comunicação Social deve assumir a
responsabilidade de divulgar uma informação equilibrada e plural. O direito à
informação plural é um dos pilares fundamentais de qualquer sistema
democrático e essencial para a consolidação da nossa democracia em Angola.
17. É natural que o entusiasmo se apodere dos candidatos e seus simpatizantes
no momento de apresentar os respectivos programas políticos, contudo devemos
acautelar que não se falte ao respeito pela diversidade de opções que é
constitutiva do sistema democrático. Preste-se atenção para que nenhuma
situação leve a qualquer tipo de violência (verbal, física, psicológica,…).
No respeito pela reconciliação nacional, evite-se recordar desnecessariamente
episódios tristes da nossa história recente, que nem sequer fazem parte da
experiência de muitos eleitores. Seria insensatez abrir feridas que estão a
cicatrizar.
Apelo aos Garantes da Ordem
18. A lei angolana considera que os membros de certos grupos profissionais –
por exemplo: os magistrados, os agentes da polícia, os militares – devem ser
apartidários. Isto não significa que não possam votar e ter as suas
preferências partidárias, mas que se devem abster de as manifestar e de fazer
campanha partidária, pressionando as pessoas a votar em A ou B.
Apelo aos Líderes Religiosos e às Autoridades Tradicionais
19. Os membros da comunidade cristã podem legitimamente optar por ser
militantes, simpatizantes ou eleitores de diferentes partidos políticos e,
independentemente das suas opções partidárias, todos devem sentir que na
Igreja estão na sua casa e na sua família. Para que assim aconteça, ninguém
use o espaço destinado às celebrações, catequeses e reuniões de grupos e
movimentos apostólicos para campanha partidária, seja através de cartazes,
autocolantes, bandeiras, bonés, camisolas ou outros materiais de cariz
partidário.
20. Os Líderes das comunidades católicas – bispos, presbíteros, diáconos,
religiosas ou religiosos, evangelistas ou catequistas – devem abster-se de
manifestar as suas preferências partidárias e de fazer campanha partidária.
21. Convidamos também os líderes das demais confissões religiosas e as
autoridades tradicionais a agirem do mesmo modo, dando um testemunho de
unidade no respeito pela diversidade de opções que caracteriza o sistema
democrático. Recordamos que a natureza e a dignidade da autoridade
tradicional é anterior e transcende os partidos políticos. Por isso, apelamos
à sua não instrumentalização e que eles mesmos também não se deixem
instrumentalizar.
UM AGRADECIMENTO
22. Antes de concluir esta mensagem pastoral, queremos deixar uma palavra de
apreço e reconhecimento a todos os cristãos que, num contexto tão complexo
como o nosso, continuam a dar testemunho da sua fé, a participar, de forma
séria e honesta, na vida partidária e a exercer o poder político como uma
missão em vista à edificação do bem comum. Louvamos e agradecemos, de igual
modo, a todos os cidadãos que se empenham generosamente para garantir que
este processo eleitoral possa decorrer da melhor forma, através do seu
trabalho nos vários níveis, antes, durante e após o acto eleitoral.
CONCLUSÃO
23. A Páscoa que estamos a preparar intensamente, é celebração da vitória da
vida sobre a morte, do amor sobre o ódio, do diálogo sobre a intolerância, do
bem sobre o mal, enfim, da reconciliação sobre a violência. Por isso, a
caridade impele-nos a renovar o nosso compromisso com a verdade, a liberdade,
a justiça e a solidariedade na Igreja e na sociedade política da qual somos
parte integrante. Aceitemos os desafios da hora presente e futura sem pessimismo
nem fatalismo, mas com esperança e grande sentido cívico. Aceitemos o desafio
de construir uma sociedade nova fundada no direito e justiça e que seja
respeitada a vontade soberana do povo. Que Maria, Rainha da Paz, obtenha do
seu Filho a paz duradoira para a nossa Pátria.
Catumbela, aos 30 de Março de 2017
Os Bispos da CEAST |
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