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domingo, 29 de octubre de 2017

A Visão da UNITA Sobre o Estado da Nação

Fonte :Unitaangola
A Visão da UNITA Sobre O Estado da Nação - Por Isaías Samakuva 
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Excelentíssimo Senhor Vice Presidente da UNITA Or. Raul Manuel Danda
Excelentíssimo Senhor Secretário Geral da UNITA Franco Marcolino Nhany
Distintos membros do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA
Digníssimos membros da Comissão Política da UNITA
Caros membros e militantes da UNITA
Ilustres convidados
Minhas senhoras e meus senhores:
Compatriotas,
No quadro das suas competências constitucionais, há uma semana, Sua Excelência o senhor Presidente da República dirigiu aos angolanos a sua mensagem sobre o estado da Nação, expondo as políticas que preconiza para a resolução dos principais assuntos que o País vive, promoção do bem estar dos angolanos e desenvolvimento do País.

No âmbito das prerrogativas que o estado de direito democrático nos confere, achamos necessário trazer a público o nosso ponto de vista sobre alguns aspectos que caracterizam a situação do nosso País, incidindo sobretudo, nos aspectos que achamos importantes e que ou não ficaram claros no pronunciamento do senhor Presidente da República ou não foram mencionados.
- Estado actual da Nação é dramático e complexo, porque como já temos dito,
- Estado faliu e encontra-se numa situação delicada. Angola vive um tempo assaz complexo que exige a nossa cuidada atenção.

Depois de 38 anos, o país tem um novo Presidente da República cujo discurso nos leva a criar novas expectativas e, por isso, a dar-lhe algum benefício de dúvida. Ele diz-nos que foi leito para corrigir o que está mal, mas ainda não nos disse como vai alargar a sua autoridade limitada pelos estatutos do seu partido a que está vinculado nem como vai poder fazê-Io com uma constituição atípica, feita para satisfazer os anseios do Presidente anterior.

De facto, o novo Presidente da República, diz-nos repetidas vezes que deseja corrigir o que está mal, mas o que está mal foi feito em grande medida pelo seu antecessor que é ainda o seu superior hierárquico no partido a que continua vinculado.

Apesar disso, o Presidente João Lourenço já deu ao País alguns sinais de que pretende de facto corrigir o que está mal. Já reconheceu que há milhares de angolanos a viver abaixo da linha da pobreza, que a situação financeira do país é crítica e que tem de haver mudanças. Até aí estamos todos de acordo.

Queremos todos corrigir o que está mal, mas com toda a verdade e transparência Os angolanos querem corrigir o que está mal e é um bom começo reconhecer o que está mal. O próximo passo é reconhecer a dimensão do que está mal e as causas profundas destes males.

A mensagem do Presidente da República

Na sua recente mensagem à Nação, o Senhor Presidente da República apresentou ao país uma lista de intenções positivas, um verdadeiro Plano de Acção. Repetiu algumas das suas promessas eleitorais e foi mesmo ao ponto de concordar com o nosso diagnóstico da situação e de abraçar algumas das nossas propostas de mudança.

O Presidente afirmou que, e eu cito, "Vivemos presentemente tempos difíceis, tempos que nos obrigam a encarar de forma diferente os desafios da mudança, sem hesitação, o que nos obriga a corrigir algumas práticas generalizadas que estiveram menos bem no passado."

Ao elencar o seu programa de reformas para alcançar a mudança, o Presidente praticamente citou alguns dos pilares do programa do nosso GIP, Angola 2030, como sejam:

- O Reforço da democratização e a priorização da agricultura;
- A Redução da despesa do Estado com o seu funcionamento;
- A Qualificação e modernização da Administração Pública;
- A Transparência e igualdade nos concursos públicos;
- O Reforço do associativismo e da sociedade civil;
- A Reforma da Justiça e o Combate à corrupção;
- A institucionalização efectiva das Autarquias Locais.

O Presidente chegou a ser específico e incisivo: Prometeu combater a concorrência desleal que encarece o preço do cimento, os monopólios e a corrupção. Este combate, de facto, é de todos nós como Nação, não é apenas do Chefe de Estado. Para sermos bem-sucedidos, é preciso atacar a raiz dos problemas. Isto implica, por exemplo, reconhecer que quem causou e alimenta a concorrência desleal no mercado do cimento.

A dimensão real do problema

É preciso reconhecer também que os monopólios no nosso país são tanto de natureza económica como de natureza político-partidária. Nesse sentido, é preciso reconhecer que os monopólios existentes nas telecomunicações, na Banca, nos combustíveis, nos petróleos, nos diamantes, na indústria e no grande comércio, foram concebidos pelo Partido-estado e são mantidos por ele para fins políticos e hegemónicos.

De facto, é preciso reconhecer que o Estado pós-colonial consolidou-se através de uma economia monopolista e segregacionista, totalmente dependente dos fluxos de exportação de petróleo bruto e estruturada para ser um exportador líquido de capitais. Este Estado pós-colonial e pós-conflito abandonou a agricultura, não desenvolveu a indústria transformadora nem potenciou a sua condição de grande produtor de petróleo bruto para desenvolver a indústria da petroquímica. Mesmo depois de cerca 50 anos de exportações ininterruptas de petróleo bruto (a primeira exportação de petróleo bruto, foi em 1968), o país continua a ser um importador de produtos derivados do petróleo bruto e um exportador líquido de capitais para os principais centros financeiros do mundo, à custa da miséria e do subdesenvolvimento do povo angolano.

É preciso recordar sempre que os accionistas das empresas que beneficiam dos monopólios, de outras formas de proteccionismo do Estado e dos grandes contratos públicos são os próprios governantes, seus familiares directos ou seus agentes. E também um Partido político, o MPLA, directa ou indirectamente.

A eliminação dos monopólios e o combate à corrupção só acontecerão se a sua motivação for o bem comum, o patriotismo, a justiça, o respeito pela cidadania e pela propriedade colectiva, e não apenas conveniências políticas momentâneas ou de grupo. É preciso reconhecer, em primeiro lugar, que acabar com os monopólios e com a corrupção significa acabar primeiro com a hegemonia política do Partido-Estado, porque foi ele que construiu um Estado segregacionista e uma economia hegemónica assente no clientelismo, nos monopólios e na corrupção.

Tudo começou com a venda a alguns angolanos de propriedade que havia sido nacionalizada ou estava de outro modo sob intervenção estatal. Era uma lógica de acumulação: as pessoas que compram as propriedades são as que têm meios, são as que são ligadas ao Estado. Esta prática, por si só, enfraquece as instituições.

Vemos o professor competente que funda o colégio. O médico que funda uma clínica privada. Na clínica há medicamentos, comprados com divisas, mas nos hospitais públicos não há. A Constituição diz que a assistência médica devia ser gratuita. O ensino de base deve ser gratuito. Sabemos que a democracia estabelece a separação entre o público e o privado, mas o nosso Estado não faz essa separação. O político é comerciante. Sim, a política está inseparavelmente ligada aos negócios. Quem sai da política, sai dos negócios, de tal forma que as pessoas quase que negam as suas convicções políticas se não são eleitos como deputados. Quer dizer, deixam a entender que sem o Parlamento perdem toda a oportunidade de vida. E quem perde o poder executivo perde tudo. Esta prática também enfraquece o Estado.

Quem sofre mais com o carácter segregacionista do Estado e da economia é o cidadão que antes vivia nas áreas do interior que não estavam sob a Administração do Estado. Mesmo que ele fosse do partido da situação, era tido como simpatizante da UNITA, e, por isso, é excluído. Por essa razão, Angola tem milhões de cidadãos excluídos da economia real e formal. Entre eles, há médicos, enfermeiros, serralheiros, pedreiros, professores e centenas de empreendedores.

O nível de dependência dos partidos, dos empresários e mesmo da imprensa é muito grande. Todos dependem do centro político-económico. O nosso Estado é um Estado segregacionista, que cultiva a dependência, quer por via da apropriação da economia do país, quer por via da constituição de parcerias entre empresas públicas e empresas nacionais privadas e estrangeiras, quer ainda através da atribuição de lugares de administração em empresas públicas; ou da obtenção de crédito, de licenças de importação ou de exportação, de participações em negócios, de terras, etc.

Este é o mecanismo central de manutenção e controlo do poder real. É o mecanismo de cooptação dentro da estrutura económica oligopolista que o poder constrói à sua volta, e também de cooptação e de recompensa dentro da estrutura política. Feita sob a orientação e sob o domínio de quem controla a renda petrolífera e o poder do Estado - o presidente da República -, contempla
o MPLA, enquanto força partidária (através das holdings da sua direcção), mas privilegia também este ou aquele indivíduo, independentemente da sua posição protocolar no partido (ou no Estado), em função dos seus laços de proximidade e da sua fidelidade pessoal em relação ao Presidente. Foi assim que o Presidente José Eduardo dos Santos construiu e manteve as estruturas do seu poder de 38 anos, ao arrepio da Constituição e das leis.

Este processo a que o Presidente Eduardo dos Santos chamou de "acumulação primitiva de capital" faz-se também em benefício do Presidente (embora este não seja oficialmente empresário): através de membros da sua família e das pessoas mais ligadas à preservação da sua posição. E assim o país produziu algumas centenas de endinheirados, mas não criou conhecimento nem mecanismos sustentáveis de geração e reprodução de riqueza.

Vai o novo Presidente manter este sistema de poder real, que está mal, ou vai de facto corrigi-Io?

Vejamos o exemplo da Caixa de Crédito Agropecuária- CAP.

A CAP era um banco estatal, criado em 1997, para ajudar as actividades empresariais nestes domínios. Operando como uma plataforma de distribuição clientelista alargada, as suas práticas de crédito motivadas por políticas de favorecimento, geraram um elevado montante de crédito mal parado, pois os beneficiários eram ministros, comissários da polícia e outros agentes políticos financiados sem critério, com base na confiança política. A CAP financiou empréstimos que nunca foram pagos e que levaram à falência. A CAP viu o seu processo de liquidação concluído apenas em 2003.

Esta lógica de funcionamento afectou outras estruturas, como o caso do Fundo de Apoio ao Empresariado Nacional (FAEN), criado em 1992 para financiar investimentos produtivos por parte do sector privado. Este Fundo cedo ficou descapitalizado, dado o emprego de taxas de juro reais negativas e baixas taxas de reembolso.

O exemplo da CAP foi seguido pelo BESA, nos anos seguintes, e pelo BPC, BCI e outros bancos que foram, e são, de facto, capitalizados com fundos provenientes do erário público.

Concordamos, por isso, com o Senhor Presidente da República quando afirma que os angolanos não devem descansar "enquanto o país não tiver um Banco Central que cumpra estritamente e de forma competente com o papel que lhe compete" e que o sistema bancário nacional desempenhe realmente o seu papel, quer na concessão de crédito a quem reúna as condições económicas exigidas para tal, sem discriminação política, quer no acesso às divisas, "para que estas deixem de beneficiar apenas a um grupo reduzido de empresas e passem a beneficiar os grandes importadores de bens de consumo e de matérias-primas e equipamentos que garantam o fomento da produção nacional".

Benefício da dúvida

Dissemos que vamos dar ao Senhor Presidente o benefício da dúvida, porque demonstrou com estas palavras que está de acordo com as medidas de política económica preconizadas pelo GIP, que prevê a mudança da estrutura de financiamento da economia e o estabelecimento de mecanismos para que a venda directa de divisas deixe de ser uma forma encapotada de branqueamento e de
exportação de capitais sem o correspondente benefício para o país.

No que nos diz respeito, acreditamos piamente que a raiz do problema dos monopólios, da segregação económica, dos roubos ao Estado, das disfunções do Estado e da corrupção, é a partidarização do Estado.

Despartidarização do Estado

De facto, não se pode combater os monopólios, os roubos, a hegemonia e a corrupção sem a efectiva despartidarização do Estado.

Alguns utilizam o termo reformar o Estado. Outros utilizam a expressão refundar o Estado. Ainda outros preferem a designação despartidarizar o Estado.

O importante é que estejamos de acordo sobre o seu conteúdo e conscientes da sua amplitude. Nós utilizaremos esta última expressão: despartidarização do Estado.

E porquê?

Porque no fundo, o Estado está refém de uma família política, um Partido político. E a economia também. Como já muitos perceberam, nenhuma instituição do Estado está livre da tutela aberta ou velada do partido MPLA. Não há de facto uma economia de mercado porque o Partido-estado impõe regras que impedem o funcionamento normal dos mercados. A presença do Estado na economia e de figuras com ligação ao Partido-Estado é muito condicionante.

Este ambiente de negócios inviabiliza a dernocratízação do país e a unidade nacional, por via da neutralização dos partidos políticos na oposição, sobretudo da UNITA, da asfixia da sociedade civil e também de certas vozes no seio do próprio MPLA.

A nossa pergunta é: será que esta era do Partido-estado chegou ao fim? Será que o novo Presidente quer mesmo combater a hegemonia, abrir a economia e iniciar uma nova era? Repito: temos de lhe dar o benefício da dúvida pelo menos durante os primeiros cem dias da sua governação.
Prezados compatriotas:
Angola só irá combater com êxito os monopólios, a exclusão e a corrupção se fizer primeiro a despartidarização do Estado. Os quatro fenómenos estão intimamente ligados. Os países como Brasil, África do Sul ou Portugal só estão combatendo com êxito a corrupção de alta hierarquia porque há de facto separação de poderes. Já imaginaram por exemplo o juiz Sérgio Moro, da operação Lava Jato, ser chamado à sede do Partido dos Trabalhadores do Presidente Lula para ser questionado sobre seus actos? Isto não acontece, porque nessas democracias os juízes não são apenas formalmente independentes. Eles sentem-se de facto independentes do poder político, têm poder real e seus tribunais são de facto órgãos de soberania, capazes de anular e condenar os abusos de poder cometidos por titulares de outros órgãos de soberania.
Despartidarizar o Estado implica despartidarizar a justiça. Tirar a Procuradoria-Geral da República da dependência do Presidente da República. Tirar a gestão financeira dos Tribunais e do Ministério Público da dependência do Executivo.
Implica não condicionar a nomeação dos juízes à composição do parlamento, tornar os juízes vitalícios e garantir-Ihes um quadro remuneratório e de regalias digno e competitivo em relação a todos os altos cargos no sector público e privado.
Na África do Sul, por exemplo, o ANC é o actual partido governante, com mais assentos no Parlamento, mas não controla as instituições judiciais e jurisdicionais do Estado. A Magistratura judicial na África do Sul não emite Acórdãos por encomenda nem persegue apenas os funcionários da Autoridade Geral Tributária. Ela é financeira e funcionalmente independente. Investiga de facto o próprio Presidente e as famílias influentes, indiciadas ou tidas como corruptas.
De igual modo, os exemplos que vêm de Portugal e do Brasil, indicam que o combate à corrupção precisa de uma imprensa verdadeiramente livre e plural, que o Estado angolano não permite que Angola tenha.
É nossa convicção que, no nosso país, a corrupção foi concebida e é alimentada pelo Partido-estado como instrumento de manutenção e controlo do poder real. Por isso ela penetrou nas entranhas dos órgãos do Estado. O seu combate exige, por isso, medidas originais, ousadas e efectivas. É multidisciplinar e deve ser dirigido por uma estrutura especializada investida de poderes preventivos e sancionatórios. Os poderes do Tribunal de Contas são, no nosso entender, limitados, e sua estrutura orgânica e funcional afigura-se inadequada para a dimensão do problema.
Será que o novel Presidente de Angola está mesmo preparado e decidido para um novo começo?
Temos de lhe dar o benefício da dúvida.


Estado e Nação
Angolanas e angolanos
Afirmei, no início, que "0 estado da Nação é dramático e complexo porque o Estado faliu e encontra-se numa situação delicada". Gostaria de elaborar um pouco esta constatação especialmente para o benefício dos mais jovens, que são os construtores do futuro. Quando falamos do estado da Nação, não devemos confundir Nação e Estado, porque encerram conceitos e realidades diferentes.
o Estado angolano é a unidade administrativa do território da República de Angola. É formado por um conjunto de instituições públicas que representam, organizam e atendem (ou pelo menos deveriam atender) as necessidades da população angolana. Entre essas instituições públicas temos os governos provinciais, os Ministérios, as prisões, os hospitais públicos, o exército, as escolas e outras mais. O Estado deve administrar todo o território e cuidar de todas as pessoas no país. A relação entre o indivíduo e o Estado constitui a cidadania.
Já o conceito de Nação está ligado às pessoas, à sua identidade, suas línguas, costumes e culturas e aos aspectos históricos dos seus locais de origem.
Podemos afirmar que a nação é um agrupamento social, portanto um povo que possui a mesma origem ou pátria, tem as mesmas características antropológicas, compartilha os mesmos costumes, fala a mesma língua e possui uma tradição histórica própria. A Nação precede o Estado. O estado da Nação refere-se à situação de vida colectiva das pessoas, seus problemas e aspirações, a que o Estado deve servir e ajudar a realizar.
Em 11 de Novembro de 1975, proclamamos a independência e construímos um Estado mas até hoje ainda não construímos a Nação. Tivemos três movimentos de libertação, mas ainda não estamos devidamente livres nem temos mecanismos eficazes de garantia dos direitos e liberdades fundamentais.
Travamos várias guerras e assinamos vários Acordos de paz militar, mas ainda não construímos a paz social. Fizemos várias transições constitucionais, mas ainda não fizemos a transição para a plena democracia e para a prosperidade.

Descobrimos muito petróleo e muito diamante mas ainda somos mais de 20 milhões de pobres.

Alguma coisa está mal e precisa de mudar para que os objectivos da Nação, e não os do Estado, sejam alcançados. A paz, a prosperidade, a igualdade, a dignidade da pessoa humana, a unidade e a reconciliação nacional são objectivos nacionais a que o Estado se deve subordinar.

No nosso sistema político é o Presidente da República que dirige, governa e administra o Estado e o país. E até agora os objectivos verdadeiros do Presidente da República quase nunca coincidiram com os objectivos da Nação. E vou procurar explicar porquê com um breve recurso à história recente que nos conduziu a partidarização do Estado.

A gênese do Partido-estado corruptor e suas consequências o processo de transição do colonial para o pós colonial foi ancorado num outro processo de estatização com características particulares e profundamente moldado pela experiência (plural, heterogénea) do domínio colonial, assim como por um processo de hegemonização, manifesto não só no plano ideológico e cultural, bem como nas formas de exercício de poder e nas práticas de acumulação.

Nesse processo de estatização precoce e inacabado, assistiu-se à formação de uma nomenclatura, desenvolvida a partir do domínio do Partido- Estado do MPLA, que se consolidou com a viragem clientelista em meados dos anos 80, gerada pela vigência do Estado patrimonial.

Foi nessa altura que começaram a florescer as práticas mais aberrantes de delapidação das divisas: primeiro por via da fixação de duas taxas de câmbio oficiais: uma, a mais alta, para as empresas e para o povo em geral, e outra, a mais baixa, para a nomenclatura do Partido-estado. Mais tarde, evoluíram para a prática dos licenciamentos selectivos, sobrefacturação desenfreada, vendas fictícias ao Estado, cobranças ao Estado de dívidas falsas e outras fraudes. Até que, chegados ao século XXI, institucionalizou-se sem pudor e sem receio a prática do negócio consigo mesmo e a venda directa de divisas como forma encapotada de exportação de capitais sem o correspondente benefício para o país, como bem reconheceu o Senhor Presidente da República na sua primeira mensagem à Nação.

A conversão formal do Partido-estado ao ideário democrático, nos anos 90, permitiu o florescimento de uma nova modalidade de Estado: o Estado predador. Quer dizer, não tendo o MPLA assumido efectivamente o regime democrático, passou a utilizar o Estado, quer dizer, as instituições políticas,
económicas e judiciais, como instrumento para a manutenção do poder hegemónico. A economia ficou prostituída, os processos eleitorais foram viciados e a justiça tornou-se uma quimera. Nesse contexto, o Estado tornou-se o pai da corrupção, o principal corruptor da Nação.

A corrupção institucionalizada pelo Estado levou-nos à degradação dos valores da Nação, à subida vertiginosa dos preços, ao descalabro do sistema de educação e ensino, ao aumento da criminalidade, dos níveis de pobreza, à injustiça social, à impunidade, à desagregação social, enfim, à morte espiritual da alma da Nação.

A ineficácia das transições políticas

Fizemos a transição constitucional mas não fizemos ainda a transição democrática.
De facto, fizemos sucessivas transições políticas: do colonial ao pós-colonial, da independência ao Partido Único sob a bandeira do marxismo-Ieninismo, na altura em que o MPlA se transformou em Partido do Trabalho e dizia que não é do MPLA-PT quem quer, mas quem merece; a resistência armada do povo angolano forçou depois a transição para a abertura ao multipartidarismo nos anos 90, e desta à que é retratada como a consolidação da transição para a democracia com o processo eleitoral que culminou com a realização das legislativas em Setembro de 2008.

Porém, a consolidação da transição para a democracia não aconteceu. Pelo contrário. Com a aprovação da Constituição de 2010, o processo democrático regrediu e o Estado foi capturado por um grupo económico dominado pelo titular do Poder Executivo.

Na análise comparativa destas transições, observou-se uma importante marca de continuidades, de adaptações e de reconversões que foram permitindo a actualização e complexificação das estruturas do poder real, mediante o emprego de um diversificado leque de estratégias, das quais destacamos sete:

1. A partidarização do Estado.
2. A produção de um Estado fraco, patrimonialista e clientelista.
3. A destruição dos valores morais e sociais.
5. A pessoalização do sistema de poder real e sua concentração formal na figura do Presidente da República.
6. O controlo absoluto da economia pela mesma família biológica e pela mesma família política que também controla o Estado.
7.A neutralização e cooptação da oposição política e das forças da sociedade civil.
7. Dinâmicas renovadas de partidarização do tecido social.

Através destas sete estratégias, produzidas transversalmente, quer pelo amparo fornecido pela produção do Estado fraco, como pelo amparo de legitimação proporcionado pelos ensaios de institucionalização do mesmo, assistiu-se, gradualmente, à passagem de um paradigma de Estado patrimonial, assente em dinâmicas de distribuição de recursos segundo uma lógica político-administrativa, para um modelo de Estado predador, sustentado por um sistema de privilégios, político-económicos.

Este modelo de Estado predador, tal como observamos hoje, coexiste com o contexto de uma transição formal para a democracia, e, por isso, sofre alguns constrangimentos, provocados, essencialmente, e a nosso ver, pela contradição entre um sistema de poder real de traços ainda autoritários e pessoalizados, que não presta contas, e um sistema político formal, consagrado aos princípios do Estado de direito democrático, que deve ser transparente e prestar contas.

É pois imperativo a despartidarização do Estado para se recuperar a economia, combater a corrupção e consolidar-se o regime democrático.

Como a nossa crise resulta da centralização do poder num só órgão do Estado, sem fiscalização, e da concentração da riqueza nacional numa só família política, a solução desse problema passa necessariamente pela descentralização política e administrativa, ou seja, pela criação efectiva das autarquias locais e pela recuperação dos poderes fiscalizadores do Parlamento, pela reforma da Justiça, pela democratização efectiva da economia e pela reforma da administração eleitoral. Numa palavra, a solução da crise passa pela transição efectiva para a democracia e pela consolidação do Estado.
Caros compatriotas, Minhas senhoras e meus senhores:

A saída é o diálogo

Não há democracia sem uma imprensa livre, plural e isenta. Não há democracia sem consenso e sem dissenso. O Parlamento é de facto o lugar onde se manifestam os diferentes pontos de vista próprios de uma sociedade plural, no respeito por um conjunto de regras indispensáveis à manutenção de uma democracia deliberativa. Mas o Parlamento não deve esgotar os espaços de diálogo e de concertação, especialmente porque a complexidade da situação do país exige mais concertação do que oposição, mais consensos do que dissensos. Exige mais abertura e menos formalismos.

É por isso mesmo que não pode haver assuntos tabus nem agendas impostas no debate democrático, sob pena de se restringir ilegitimamente o campo da discussão pública.
As nossas origens, a nossa geografia política, a nossa História e as nossas aspirações ensinam-nos que Angola, nossa Pátria comum, é um país de compromissos. Nenhum grupo político ou social pode impor ao país a sua visão, a sua cultura e a sua versão de História. Temos de dialogar profundamente para construir a nossa Nação, refundar o nosso Estado e garantir um futuro seguro de prosperidade para as gerações vindouras. A saída é o diálogo para o compromisso. É a aceitação da igualdade política e econômica, da diversidade cultural e do pluralismo de expressão para a construção de uma sociedade mais justa que assegure o desenvolvimento e a dignidade da pessoa humana.

Missão histórica

Até agora o governo e a soberania da Nação angolana foram confundidos com o governo e a soberania do Partido-estado. Mas os angolanos acreditam que a nossa paz, o nosso progresso, a almejada unidade nacional pelos quais todos devemos estar empenhados, passam pela instauração efectiva do regime democrático e pela consolidação do Estado de direito. Os angolanos já rejeitaram o regime de Partido-estado, porque este só se mantém à custa da corrupção e de um grande aparato militar e de segurança que defende o regime contra o próprio povo que governa.

A missão histórica do Presidente da República eleito nas eleições da mudança é fazer a mudança. É dirigir o processo histórico de transição do regime de Partido-Estado para o regime democrático.

Entendemos que este processo de despartidarização do Estado a ser conduzido pelo Presidente João Lourenço deverá ser feito com o concurso das forças da sociedade civil, das Forças Armadas e das forças políticas, incluindo o MPLA. Não é um processo contra o MPLA, é um imperativo nacional, uma condição prévia para a conquista da unidade nacional, para a afirmação do regime democrático e para a concretização da reconciliação nacional. É um imperativo da consolidação do Estado.

Mais do que nunca, Angola reclama um novo contrato social para a instauração de uma nova ordem política, económica e social. De facto, um novo regime. Não um regime autoritário, de perfil neoliberal, controlado nos planos político, económico e eleitoral para se perpetuar como uma democracia tutelada, de baixa intensidade. Mas um regime democrático sólido, garantido por um Estado democrático, responsável pela justiça social e promotor de cidadania. Um regime que garanta a instauração de uma nova dinâmica de integração social e política e de mobilidade social, movida pela força do mérito e pela adesão a um projecto de sociedade e não apenas pela lealdade político-partidária.

O grande desafio

Nesta base, o grande desafio que o estado da Nação coloca hoje ao novo Chefe de Estado é o seguinte:

A Constituição estabelece que compete ao Presidente da República definir a orientação política do país, promover e assegurar a unidade nacional, dirigir a política geral de governação do País, e representar a Nação no plano interno e internacional.

Vai, o senhor Presidente da República, exercer de facto esta competência com a autoridade que a Nação espera ou vai subordinar-se a um Partido político?

Esta é a nossa grande questão. E ficamos com o nosso benefício de dúvida.

Muito obrigado pela atenção dispensada.