Raúl Danda discursa sobre desafios da democratização em Angola no parlamento português
- Categoria Política
- 10 junho 2014
Lisboa
- O Grupo Parlamentar da UNITA foi o primeiro a fazer tal coisa na
Assembleia da República Portuguesa, com a participação de Deputados de
diferentes bancadas parlamentares portuguesas, membros do corpo
diplomático e da sociedade civil, com uma forte presença de angolanos
residentes em Portugal. O mesmo tema será abordado por Português, em nome do Grupo Parlamentar e da UNITA, na Espanha.
Fonte: Club-k.net
OS DESAFIOS DA DEMOCRATIZAÇÃO EM ANGOLA LISBOA, 5 DE MAIO DE 2014
Excelências Senhores Deputados da Assembleia da República de Portugal,
Mui Caros Amigos de Portugal; Minhas Senhoras e Meus Senhores:
I. INTRODUÇÃO
É
com bastante satisfação e subida honra que me dirijo a V. Exas., hoje e
nesta Magna Casa, para falar dos povos de Angola que desde há décadas
lutam incansavelmente pela conquista da democracia e da liberdade.
Que
Angola temos hoje? Que Angola queríamos e poderíamos ter? São perguntas
pertinentes que, tivera havido boa-fé por parte já mesmo dos atores de
Alvor – incluindo Portugal – hoje ter-nos-iam conduzido a respostas
bastante animadoras. Mas, muito infelizmente, não foi isso que
aconteceu. O Acordo de Alvor, que devia ter conduzido os angolanos à tão
almejada estabilidade, depois de muitos anos de conflito armado, de
incertezas, rapidamente ficou letra morta, em benefício de uma guerra
pós-colonial, que ocorreu no contexto da guerra fria e que não só
colocou irmãos angolanos uns contra outros, como também colocou no
teatro da guerra exércitos de Cuba, da ex-União Soviética, da República
Democrática da Alemanha, do Congo Brazzaville e outros, convidados pelo
MPLA; do Zaíre (hoje RDC), em apoio à FNLA, e da África do Sul, que se
posicionou do lado da UNITA para impedir que o chamado “comunismo” se
expandisse para o então Sudoeste Africano (hoje Namíbia) e para a África
do Sul.
Curiosamente, tudo de bom,
no Acordo de Alvor, foi deitado ao lixo, até mesmo a vontade de se fazer
a paz em Angola, tendo sobrevivido apenas a mais sórdida
violação ao direito internacional e à dignidade humana: a anexação de
Cabinda, feita de forma fria, com a citação “e, neste contexto, Cabinda é
parte integrante e inalienável do território angolano” (1).
Num
verdadeiro encolher de ombros, de demitir de responsabilidades,
Portugal – esse nobre povo, essa Nação que todos os cabindas queriam
valente, naquele momento – virava costas a Cabinda, aos cabindas e ao
Tratado de Simulambuco, posição que manteria até hoje. Com o abandonar
de Alvor, Angola mergulharia na pior das catástrofes de que se tem
memória, a carta da democracia seria retirada do baralho pelas sementes
angolanas do comunismo soviético, deixando a UNITA sozinha para repor a
verdade histórica, lutar pela democracia e pela liberdade.
A
luta foi difícil, tenaz, violenta, mas a bravura de homens e mulheres
destemidos, liderados por um homem à altura da História, o Dr. Jonas
Savimbi, fez reacender a chama e criar perspectivas para que o sorriso
voltasse a raiar nas faces ensombradas de angolanos de fé moribunda.
Hoje, a semente da democracia está lançada, em Angola, apesar de todas
as resistências que vamos presenciando por parte de quem insiste e
persiste em ditaduras já caducas.
II. QUE ANGOLA TEMOS HOJE?
O
aprofundamento da Democracia, com a institucionalização do Poder Local,
em Angola, tem sido um desafio para os angolanos, em geral, e para a
UNITA, em particular; esta UNITA que, como disse, desde os primeiros
dias de vida se posicionou na trincheira da defesa desse sistema que,
mesmo não sendo o modelo perfeito de vivência e de convivência dos
cidadãos deste mundo que se vai tornando cada vez mais global, continua a
ser aquele que se revela o melhor até hoje. Refiro-me, pois, à
DEMOCRACIA, pela qual a UNITA sempre lutou, mesmo quando, no nosso país,
o Chefe de Estado dizia, abrindo a sua alma, que ela, a democracia,
portanto, “tinha sido imposta a Angola”, e que “os direitos humanos não
enchiam a barriga de ninguém”. Estas palavras foram públicas.
Conquistada
a paz das armas há 12 anos, a instauração da democracia, de facto,
continua a ser um parto dificílimo, depois de ter passado por uma
daquelas gestações cíclicas que teimam em nunca chegar a parto. Vivemos,
ainda hoje, num país onde a Constituição permite um conjunto de
direitos aos angolanos, mas onde o Poder instituído rejeita
sistematicamente o usufruto desses direitos pelos cidadãos. Vivemos numa
Angola onde, a exemplo do que ocorreu no passado dia 27 de Maio, em
Luanda, as manifestações pacíficas são violentamente reprimidas por
forças de defesa e segurança vergonhosamente partidarizadas. Um país
onde a reconciliação nacional é vastamente
propalada mas é exiguamente praticada, com a insistência na manutenção,
por parte do poder, de dois campos, sendo um, o dos supostos vencedores
da guerra pós-colonial, que reclamam ter ganho todas as batalhas
travadas no país, e o outro, o dos vencidos, permanentemente humilhados,
espezinhados, preteridos. Vivemos num país onde se pratica a exclusão,
onde o acesso ao mercado do emprego, mesmo ténue; onde o acesso às
facilidades económicas, ao ensino de qualidade, à habitação, quando há,
enfim, é vencido com a exibição do cartão de membro do partido que
governa Angola desde 11 de novembro de 1975. Um país onde se limita o
acesso à informação, lá onde se pode, mesmo se isso viola de forma
drástica, abusiva e contundente a Constituição que devia regular o país.
Somos deputados, representantes do Povo de Angola, à luz da
Constituição e da Lei, mas o poder instalado no país não permite sequer
que as sessões parlamentares sejam transmitidas em directo, pelos órgãos
de comunicação social públicos. Os debates que realizámos na “Sala 1”
da nossa Assembleia Nacional, morrem entre aquelas 4 paredes, ficando ao
critério da Rádio e da Televisão públicas, a definição das matérias a
publicar e como as publicar, tal é a censura que o país vive. Não será
um acto de injustiça e até de desonestidade, para além de uma flagrante
violação da Constituição, aprovar leis em nome do Povo, tomar decisões
em nome do Povo, como seus representantes, ao mesmo tempo que se impede,
da forma mais vergonhosa e ignóbil, que esse Povo tenha conhecimento do
que é discutido e decidido em seu nome? Seria possível tal situação
aqui em Portugal? A resposta seria, certamente, “nem pensar”!
Pois
nós vivemos num país onde o Chefe de Estado é, na teoria, Presidente da
República e Titular do Poder Executivo, só, mas, na prática, é o
verdadeiro chefe de todos os poderes, incluindo o Legislativo e o
Judicial, subalternizando esses dois poderes sem poder. Ele manda em
tudo, sem limites, sem contrapesos, sem “checks and balances”.
Vivemos
num país onde a Constituição e a Lei parece existirem para dois campos
claros: o primeiro, dos pacatos cidadãos, sobre quem impende a obrigação
e a obrigatoriedade de as cumprir; o segundo, de quem, tendo o dever
constitucional de as respeitar, defender e assegurar o cumprimento, em
conformidade com o Art. 56o e o no 5 do Art. 108o da Constituição da
República de Angola (CRA), passa a vida a desrespeita-las, a
pisoteá-las.
Vivemos numa Angola onde
o Chefe de Estado decide se se faz ou não eleger, já que, como saberão
V. Exas., quando os angolanos pensavam ter eleições presidenciais em
2009, porque o Presidente da República tinha achado conveniente, em
2008, fazer apenas as legislativas, eis que somos todos – inclusive os
angolanos no MPLA, partido desde sempre no poder – surpreendidos com um
texto de Constituição que acabava com as presidenciais no país. Hoje,
apenas temos eleições legislativas onde, o partido que as ganha,
coopta o primeiro da lista de candidatos a deputados para Presidente da
República, o segundo para Vice-Presidente, enquanto os outros são
divididos entre a função governativa e a parlamentar. E nessa óptica,
até com 30% ou 35% dos votos expressos pelos eleitores se pode ser
Presidente da República de Angola. A pergunta que nunca se vai calar é
se alguém, nessas circunstâncias, se pode sentir legitimado no cargo de
mais alto magistrado de uma nação. Eu não me sentiria.
Vivemos,
assim, num país onde os recursos abundam na mesma proporção que a
corrupção, a desgovernação e a falta de transparência. Uma das
principais vocações dos parlamentares, em qualquer país digno desse
nome, é a fiscalização dos actos do governo. No nosso, aos deputados é
terminantemente vetada essa possibilidade. O principal gestor da coisa
pública angolana é o Titular do Poder Executivo, ou seja, o Chefe do
Governo. É ele que devia prestar contas ao Povo Angolano, por via dos
deputados, seus representantes, sobre o que faz com os recursos do país,
postos ao seu dispor para fins de gestão. Ora como, à luz da
Constituição, o Presidente da República não pode ser chamado a prestar
contas ao Parlamento, e o Presidente e o Chefe do Governo são a mesma
pessoa, o nosso Gestor-em- chefe não presta contas sobre o que faz com
os recursos dos angolanos. Restaria a hipótese dos seus Ministros irem
ao parlamento fazê-lo. O problema é que, à luz dessa mesma Constituição –
conforme vem expresso no no 2 do seu Art. 108o – os Ministros são meros
“auxiliares do Titular do Poder Executivo”, tendo, portanto,
competências delegadas por este. Segundo o nosso Tribunal
Constitucional, que, recentemente e nos termos do Acórdão no 319/2013,
de 9 de Outubro, declarou inconstitucionais as normas regimentais
relativas à fiscalização parlamentar, chamar os ministros ao parlamento
seria o mesmo que chamar aquele cujas competências estão delegadas
neles, coisa proibida.
Logo, ninguém
presta contas, estando hermeticamente fechadas todas as portas à
fiscalização que, segundo os nossos irmãos do MPLA, que estão quer no
parlamento, quer no governo, quer nos tribunais, pode ser feita com a
discussão do Orçamento Geral do Estado ou com a recepção tanto da Conta
Geral do Estado, como dos relatórios trimestrais de execução orçamental,
se chegarem, quando chegarem e da forma como chegarem.
Certamente,
Vossas Excelências saberão que desde que Angola é República, popular ou
não, o Parlamento apenas recentemente recebeu, pela tímida segunda vez,
a Conta Geral do Estado. E tal como a primeira, há um verdadeiro
“blackout” quanto aos relatórios das contas da SONANGOL – que é a mais
importante e poderosa máquina que faz andar Angola, por ser a
fornecedora do grosso das receitas do OGE de um país terrivelmente
dependente do petróleo. Essa SONANGOL que é, na mesma proporção, a mais
importante e perigosa indústria de produção de corrupção, o que não
será
de todo novidade nem aqui em Portugal, nem em qualquer outro país da
Europa. Do mesmo modo, o poder é completamente mudo e omisso no que diz
respeito aos relatórios das contas da empresa estatal de diamantes, os
gastos da Presidência da República e seus serviços de apoio, dos mais
variados ministérios, etc. Os dois pareceres do nosso Tribunal de
Contas, emitidos sobre os dois documentos atrás referidos, apontam
timidamente um verdadeiro rosário de insuficiências, erros, omissões,
falhas e sabe-Deus-mais-o-quê. No entanto recomendam, invariavelmente,
que o plenário de deputados vote favoravelmente esses documentos. Caso
para dizer que temos um Tribunal de Contas de faz-de-contas.
III. O PODER LOCAL COMO GRANDE DESAFIO DA DEMOCRACIA EM ANGOLA
A
UNITA, através do seu Grupo Parlamentar, conseguido em meio dessas
“esmagocracias” que sonham em ganhar eleições legislativas com maiorias
de quase 90%, introduziu no Parlamento, em Setembro de 2013, um projecto
de Lei Orgânica do Sistema de Organização e Funcionamento do Poder
Local, conforme prevê a Constituição que vigora em Angola desde
Fevereiro de 2010. Mas como a questão da descentralização, a questão do
poder local, não é do agrado do regime, habituado que está a controlar
todo o poder e o poder todo, o nosso diploma só seria agendado, para o
debate na generalidade, 6 meses depois, em Março de 2014. Pensávamos
nós, na oposição, e connosco a maioria esmagadora dos angolanos, que,
finalmente, estaríamos a dar os primeiros passos rumo à tão esperada
institucionalização do poder local, em Angola. Mas, debalde! É que,
enquanto nós estávamos em Jornadas Parlamentares, na província nortenha
do Uíge, há 345 quilómetros de Luanda, os nossos irmãos do MPLA
decidiam, nas Comissões de Especialidade, sozinhos como gostam de estar,
que o projecto de lei tinha de ser morto logo à nascença, vetando a sua
discussão mesmo na generalidade.
Para
fingir que está interessado em realizar eleições autárquicas no país, o
regime do Presidente Eduardo dos Santos leva a cabo estudos em
Portugal, no Brasil, Cabo Verde, Moçambique, etc., mas parece que todas
as experiências visualizadas, todos os modelos escrutinados, não servem
para Angola, já que o Governo Angolano está permanentemente a alegar
falta de “condições” para a instauração do poder local no nosso país.
Como dirão os ingleses ““you want something, you’ll find a way; if you
don’t, you’ll find an excuse””.
Muito
recentemente – de 28 de abril a 4 de maio de 2014 – deputados da UNITA
visitaram Cabo Verde, para ver de perto a sua experiência autárquica. E o
que foi possível constatar? Do ponto de vista político, desfeita a
cadeia do sistema monopartidário, Cabo Verde realizou as suas primeiras
eleições gerais multipartidárias e democráticas e, logo no ano seguinte,
fez nascer as primeiras autárquicas.
Houve vontade política, a experiência foi boa, e os nossos irmãos
Cabo-Verdianos situam, hoje, o seu debate na regionalização. Do ponto de
vista prático e funcional, mau grado a debilidade cabo-verdiana em
termos de recursos, mau grado todas as dificuldades que a natureza impos
aos Cabo-Verdianos, estes usam quotidianamente as suas inteligências na
busca incessante de soluções para as populações. Fará, por exemplo,
sentido que na seca ilha de São Vicente os habitantes tenham água nas
torneiras, e esse precioso líquido seja simplesmente inexistente nas
casas dos angolanos, até mesmo em Luanda? Como será possível que, com
tantos recursos hídricos, petrolíferos e outros, a esmagadora maioria
dos angolanos viva numa escuridão quase permanente, enquanto em Cabo
Verde, os cidadãos, mesmo “incrustados” nas montanhas, têm luz?
Em
Angola, insiste-se em pensar nos problemas todos a partir da Cidade
Alta do Presidente Eduardo dos Santos e dos gabinetes dos seus
ministros, como se fossem capazes de ter conhecimento pleno das
necessidades, aos mais variados níveis, em todos os municípios, comunas e
aldeias do país.
Por outro lado, é
muito frequente, em Angola, confundir-se “escola” com “educação”;
“hospital” com “saúde”. Depois, são publicadas e publicitadas
estatísticas, a maior parte das quais falsas e falaciosas, que dão ao
mundo a imagem de um verdadeiro país virtual.
IV. O CASO DE CABINDA
Na
abordagem que estamos a fazer, falar de Cabinda torna-se
imprescindível, por ser também um grande desafio para a democratização
de Angola, pois só homens livres e democratas podem olhar para os seus
pares, reconhecendo- lhes esses direitos. É, pois, preciso dizer que a
dramática situação pela qual tem passado o Povo Binda (2), é reflexo:
1.Do
demitir de responsabilidades por parte de Portugal, com o desrespeito e
a violação do Tratado de Simulambuco (3) – um tratado com a força que o
Direito Internacional lhe devia conferir, mesmo se rubricado a Sul do
Equador, e que obrigava Portugal a prestar auxílio e protecção aos
Cabindas, nos termos do Artigo 2o desse Tratado, por um lado, e, por
outro lado, a fazer manter a integridade dos territórios colocados sob o
protectorado, em conformidade com o seu Artigo 3o;
2.
Da subsequente anexação do território, por via do Acordo de Alvor, que
“ousou” violar o Tratado de Simulambuco; um acordo rapidamente declarado
caduco, inexistente e transformado em letra morta, salvo, curiosamente,
no que à anexação de Cabinda dizia respeito;
3.
Da política de violência, luta armada sem quartel contra as populações
de Cabinda, imediatamente empreendida pelo Governo do MPLA, sob o
silêncio cúmplice e algumas vezes a conivência mesmo, do poder político
português e da chamada “comunidade internacional”; política de violência
que rapidamente transferiu para Cabinda cerca de 40 mil tropas e toda a
máquina repressiva que poderia bem fazer inveja a Salazar, com uma vaga
de intimidações, detenções arbitrárias, execuções, etc.;
4.
Da falta de vontade política, por parte das autoridades do MPLA –
partido que sempre governou Angola, primeiro, como partido único e, em
seguida, como partido “sozinho”, na sequência da instauração do
multipartidarismo, após o Acordo de Bicesse, clara conquista da luta
levada a cabo pela UNITA – de buscar soluções, com honestidade, solidez e
transparência, para o chamado “Caso Cabinda”;
5.
Da inércia e conivência, por parte da comunidade internacional, que
acoita e protege as acções criminosas cometidas contra as populações de
Cabinda, por um lado, em benefício dos seus negócios mais ou menos
vantajosos, enquanto, por outro lado, olha para Cabinda como um simples
poço de petróleo, esquecendo-se que ali existe um Povo, com uma alma, um
querer e uma aspiração;
6. Das
condições de miséria e de subdesenvolvimento a que ficaram votados
Cabinda e o seu Povo, apesar de o Enclave ser a principal fonte de
recursos do Orçamento Geral do Estado angolano, depois de, durante
muitos anos, ter sido praticamente a única.
Até
quando o sofrimento dos cabindas vai continuar, agravado pela ambição e
o egocentrismo do poder em Luanda e pelos interesses económicos no seio
da “comunidade internacional”, é a pergunta que me coloco, enquanto
cabinda e cidadão deste mundo global, à espera que um dia ela –
comunidade internacional – se olhe ao espelho e sinta alguma vergonha do
que estiver a ver refletido nele. O dinheiro não devia justificar tudo
e, como diz bem o ditado português, será “tão ladrão quem vai à horta
como quem fica à porta”.
A UNITA tem
estado, como sempre esteve, engajada na luta por uma solução digna e
dignificante para Cabinda, que passe pelo diálogo franco, aberto e
construtivo com aqueles que, no Enclave, representam a vontade popular.
No
seu projecto de lei sobre o poder local, liminarmente rejeitado pelo
MPLA, no parlamento angolano, em março de 2014, a UNITA avançava uma via
de solução, sugerindo que Cabinda fosse uma autarquia supramunicipal.
Por outro lado, a UNITA tem estado a ajudar na distribuição/disseminação
de um documento concebido pelas diferentes sensibilidades cabindas,
tanto políticas como da sociedade civil, intitulado “Projecto de
Proposta do Futuro Estatuto Político-Jurídico do Território de Cabinda
(Linhas de Força)”, cuja cópia deixo aqui à consideração de Vossas
Excelências que, melhor do que ninguém, conhecem a fundo a tragédia do
Povo Binda.
V. A RECONCILIAÇÃO, A INTOLERÂNCIA E A EXCLUSÃO
Temos
defendido várias vezes que a paz em Angola não pode ser definida e
entendida apenas como sendo o calar das armas. O calar das armas foi um
passo importante, sim, mas é preciso que essa paz, conseguida a custo de
enormes sacrifícios, se traduza em tranquilidade social; em alimento
que chegue ao prato e à casa de todos; em tecto que proteja todos, sem
discriminações, tanto de sóis abrasadores como de chuvas torrenciais; em
emprego para os angolanos todos, com as mesmas oportunidades, sem que
seja necessária a exibição de um determinado cartão a indicar pertença
partidária; em acessos aos benefícios socioeconómicos, políticos, etc.,
partindo todos das mesmas metas.
Um
militante do MPLA, ferido de alguma desonestidade, diria que, em Angola,
as coisas não se passam bem assim. Mas ouvimo-lo todos, muito
recentemente, de uma voz idónea e autorizada: a de Lopo Fortunato do
Nascimento.
Temos em Angola uma
“reconciliação” nacional, no papel – no Acordo de Bicesse e nos
protocolos subsequentes para a paz no país – amiúde repetida nos
discursos políticos, e outra “desconciliação” nacional, que caracteriza a
prática quotidiana em Angola. Será certamente uma incongruência e mesmo
um contrassenso falar em reconciliação nacional, quando são construídos
monumentos que exaltam a guerra; quando uns pretendem colocar-se no
pedestal de vencedores de todas as batalhas, mesmo as muitas que
declaradamente perderam, enquanto deitam os outros ao precipício dos
derrotados – esses que, antes de Bicesse, chegaram a ocupar, de forma
efectiva, 70% do território nacional – permanentemente humilhados e
tratados de forma desigual, mesmo no que ao acesso às diferentes
oportunidades diz respeito; quando há dificuldades de se reconhecer aos
angolanos os mesmos direitos políticos, os afectos ao MPLA podendo tudo,
e os afectos à UNITA não podendo nada, assassinados indiscriminadamente
sob o olhar silencioso,
cúmplice e
até conivente das forças de defesa e segurança, vergonhosamente
partidarizadas; quando ter acesso ao emprego, ao crédito bancário, aos
programas de investimento todos os dias publicitados, enfim, obedece ao
critério da cor partidária estampada no cartão de membro que cada um
ostenta, o único bom e válido sendo aquele onde vêm as inscrições
“MPLA”. Poderá esse tipo de “reconciliação nacional” unir irmãos da
mesma pátria? Certamente não.
VI. A IMPRENSA ESTATAL
A
imprensa estatal, em Angola, é absurdamente partidarizada, produzindo
matérias sobre os acontecimentos no país de forma muito parcial, em
defesa permanente do partido no poder – como se de órgãos partidários se
tratasse – vexando, insultando e atacando os partidos na oposição, com
realce para a UNITA e seu líder. O pior de todos será certamente o
“Jornal de Angola”, único diário do país, cuja política editorial é
ditada ou por estrangeiros ou por angolanos que mudam de nacionalidade
com a mesma facilidade com que muda de cor o camaleão, que anda estranha
e permanentemente de gasolina e fósforo na mão a incendiar a pradaria,
criando todas as condições que esse diário um dia criou, e que levaram
ao tristemente célebre “27 de Maio“, que reclamou a vida de dezenas de
milhares de angolanos inocentes, ou da igualmente triste “Sexta-Feira
Sangrenta”, durante a qual foram chacinadas, pelo regime, centenas de
angolanos de etnia bacongo.
É essa
imprensa que “pinta” o regime da forma que mais convém aos patrões desse
regime, e diaboliza os opositores. Que quando não diz mentiras, diz
meias verdades, na prossecução do mesmo objectivo de desinformar a
sociedade. Aliás, e na busca desse objectivo, facilmente se perceberá
que o regime compre quase todos os jornais privados de Angola – criando
monopólios proibidos pela lei de imprensa que vigora no país, impeça a
extensão do sinal das rádios que pugnam pela pluralidade de informação
(casos da Rádio Ecclesia e da Rádio Despertar), domine todos os órgãos
(rádios, TVs) que tenham o seu sinal expandido para lá da capital,
Luanda, e criem os mais variados obstáculos ao surgimento de outros
órgãos. Até a TV Parlamento é sistemática e vergonhosamente impedida de
nascer, por um regime que foge do pluralismo de ideias como fugiria o
diabo da cruz.
VII. O QUE DIZ A NOSSA ILUSTRE “COMUNIDADE INTERNACIONAL” DA DEMOCRACIA ANGOLANA?
Aqui,
será importante ver como a comunidade internacional tem estado a ajudar
ou prejudicar, no tocante ao fortalecimento da democracia em Angola.
Tenho bem presente o facto de que as relações entre os estados têm, como
base principal, os interesses de uns e outros, sobretudo os económicos.
Mas esse interesse económico poderá justificar qualquer conduta, ou
deverá imperar alguma verticalidade, algum aprumo, que leve uns e outros
a tratarem- se com alguma urbanidade, lhaneza e candura, sem, contudo,
descurar a verdade na abordagem das coisas?
Será
coerente, aconselhável e saudável, tendo em conta as responsabilidades
políticas que a comunidade internacional carrega sobre os ombros, que
membros dessa comunidade, a partir dos seus países ou em Angola, teçam
rasgados elogios ao poder instalado em Luanda, com adjectivações e
epítetos elogiosos de “democratas”, “praticantes da boa governação”,
“visionários”, “campeões da magnanimidade” e “bons gestores”, com a
corrupção galopante, a violação flagrante e sistemática dos direitos
humanos, a delapidação escandalosa dos recursos do país, a penumbra
permanente nos processos eleitorais, etc.? Não será esse comportamento,
essa conduta, contribuidora de um encorajamento para o aprofundar da
“democratura” vigente em Angola, com toda a réstia de males daí
decorrentes? E se, por um lado, uns encorajam comportamentos
dictatoriais, com os seus pronunciamentos, outros, por outro lado,
ficam-se por um silêncio sepulcral, por um “nim“ com sabor a “sim”, que
levará, certamente, aos mesmos resultados. Aqui, e parafraseando Martin
Luther King, “o que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos
violentos, dos desonestos dos sem-carácter, dos sem-ética... o que me
preocupa é o silêncio dos bons”.
O
meu humilde conselho será o seguinte: antes que peçamos aos outros uma
conduta saudável, esforcemo-nos, nós mesmos, primeiro, por adoptar essa
conduta. Poderemos, assim, ter todos um mundo melhor.
Tenho
a clara convicção de que Angola pode transformar-se numa democracia
sólida e exemplar. Temos potencial humano e recursos abundantes que nos
permitiriam rapidamente construir uma nação próspera, feliz, boa para
viver, bastando, para tal, que determinadas pessoas se dispam do
egocentrismo e da ambição desmedida que transportam, e se dotem de
vontade política para encetar a caminhada.
Permitam-me
que diga, para terminar, que tenho noção do facto de que nada do que
tenhamos dito aqui constituirá novidade para Vossas Excelências,
restando-nos, assim, o conforto de termos tido a oportunidade de
recordar-lhes
factos que são causa de
sofrimento quotidiano de um Povo, na esperança de que se cale o
silêncio ensurdecedor daqueles que julgamos serem “os bons”, pois isso
pode possibilitar a tão almejada mudança.
Portugal
tem sido e continuará a ser o centro dos interesses da lusofonia, para o
perpetuar dos laços históricos que nos ligam. A nossa esperança é a de
que um conhecimento mais profundo da realidade angolana, pela sociedade e
instituições portuguesas, pode levar ao estreitar dos laços de amizade e
de solidariedade entre povos, e permitir uma interajuda nas dinâmicas
políticas, sociais, económicas e culturais, para o bem das futuras
gerações.
Quanto a nós, o lema há-de
ser sempre o mesmo, ontem, hoje e amanhã: “perante Deus, de joelhos,
sempre! Perante os homens, de pé e de cabeça erguida, sempre, quaisquer
que sejam as circunstâncias”.
Muito obrigado pela vossa atenção.
Lisboa, 5 de Junho de 2014.-
Raúl Manuel Danda, Jornalista, Professor, Deputado, Presidente do Grupo Parlamentar da UNITA