Fonte: Club-k.net
Luanda – Até quase entrado o último quarto do século XX, Angola estava doente do flagelo do colonialismo. Quase meio século depois, estamos doentes da má gestão dos anos da independência. Se bem que este é um fenómeno que se verificou na maioria dos países do nosso Continente, Angola foi sem sombra de dúvidas, um dos piores.
E se a juventude actual não se posicionar, se ela falhar agora na correcção dessa trajectória, Angola poderá ser dentro de pouco, o pior de todos. Oxalá que não seja o caso.
Por isso, hoje dirijo-me a aqueles que há anos,
assumiram a responsabilidade de conduzir este barco, mas também e sobretudo
dirijo-me a essa juventude, a quem está depositada toda a esperança da
rectificação da história desses últimos 40 anos e em particular das últimas
décadas caracterizadas pela desgovernação do MPLA, devido ao desvio de rota de
alguns dos seus dirigentes, esses mesmos que ainda jovens, também tiveram o
mérito de terem abandonado tudo um dia, com a promessa de lutarem pela
independência e por melhores condições de vida para o seu povo.
Sei, que não basta criticar os erros. Mas importa,
dentro do que foi feito, reconhecer, salvaguardar e proteger o positivo se o
houve, identificar friamente os fracassos e os males que nos afectam,
encará-los com coragem, para podermos, todos juntos, sacar o país do beco em
que foi metido.
Muitas vezes, escutamos os que dirigem este país,
falarem de Angola em números estatísticos: número de escolas, número de
hospitais, número de alunos no sistema educativo, número de quilómetros de
estradas asfaltadas enfim, dados que ouvidos, soam a uma música muito linda,
que nos apresenta uma Angola bonita, um povo feliz e a subir sempre, mas uma
Angola que não existe na realidade. Porque é que nos enganamos a nós próprios?
Recentemente tive, o que posso considerar o privilégio
de acompanhar um amigo a visitar no seu quartinho, uma pessoa, brilhante
estudante, que se encontra já nos finais da sua carreira em uma das
universidades da capital do país. Digo que foi na verdade um privilégio, porque
nesse dia, penetrei uns centímetros mais, no conhecimento da realidade da
Angola que temos hoje.
Guardo o respeito por todos devido ao MPLA,
pessoalmente não por ser partido que é o do coração de muitos amigos meus,
alguns deles da inesquecível infância e hoje talvez com importantes
responsabilidades, mas sobretudo porque o MPLA faz parte desse trio que, com a
UNITA e a FNLA aceitamos todos, como “nossos únicos legítimos representantes”,
quando chegou a hora de negociarmos o processo da transição que nos trouxe a
independência do Portugal colonial, em Alvor. É histórico e ninguém consegue
apagar ou desfazer-se disso.
Mas isso não restringe o meu direito e dever de, como
qualquer outro cidadão, comentar, empolar ou ainda lamentar o quanto temos
estado todos afectados pelo péssimo empenho que têm tido os dirigentes desse
partido nas últimas décadas, com a agravante de não haver nada que aponte para
uma possível melhoria desse tal empenho, nem para a vontade de uma autocrítica
por parte de quem devia fazê-lo. E o país vai de mal a pior.
Com um pouco de patriotismo, seria hora de fazê-lo.
Seria mesmo hora do render da guarda, de tomarem um descanso, tempo para
revitalizarem-se, com o fim de, mais adiante, a partir da bancada da oposição,
poderem desafiar os outros. E é que isso, em democracia é estimulante e
extremamente salutar, tanto para o partido cansado, como para outros
concorrentes ao poder e para o próprio país em geral. Todo o inverso, só é mau
para todos.
Afinal caros compatriotas, atrocidade não é só
reprimir, matando em hasta pública como fizeram no tempo de Partido único, nem
é só matar às escondidas como se viu nos últimos anos e cuja frescura dos actos
dispensam mencionarmos de novo as causas e os nomes de tantas vitimas já
sobejamente conhecidas por toda a gente.
Na minha opinião, atrocidade é também assumir
responsabilidades de dirigir um país, não ter mais fôlego para fazê-lo, mas não
reconhecer essa falta de fôlego. Atrocidade é permitir a existência para o seu
povo, de situações do género das que existem hoje em várias partes de Angola,
incluso há menos de 500 metros dos centros do poder em Luanda, como tive
ocasião de verificar. E muitos sabem disso.
Senhores mandatários, meus compatriotas, responsáveis
dos mais diferentes pelouros do poder actual. Ainda saiam só dos vossos
gabinetes. Saltem para o terreno por uns momentos. Não é longe. Não será
necessário serem sacudidos pelos saltos dos buracos dessas tão cantadas
estradas, asfaltadas há oito, quatro ou dois anos, mas que na realidade já
estão em estado de deterioração avançada, como é o caso dos grandes troços que
se podem ver, se se sai um pouco de Luanda e não só.
Não passareis esse sacrifício de saltos, porque o que
há para ver, está mesmo ali nas barbas, por detrás desses lindos e luxuosos
edifícios que estão ao longo das artérias do que parece ser o centro da cidade
capital.
Num fim-de-semana livre, ou no fim do dia, anónimos,
sem aviso, discretamente, ninguém vai notar vossa presença. Quanto menos gala e
protocolo, melhor. Entrem; não pelas portas dos luxuosos edifícios, mas entrem
ali pelos pequenos portais laterais que dão acesso à parte traseiro dessas
fachadas principais; desçam essas vertentes escorregadiças; não caiam por
favor; se sentirem cheiros nauseabundos não faz mal; aguentem só por uns
instantes; vereis que, como noutros bairros periféricos maltratados, essas
vertentes todas estão habitadas por humanos como vós; habitadas por gente que
não entra certamente nas vossas contas, excepto para certos fins. Gente que
certamente não gostaria viver ali, mas que se vê obrigada, pelo pouco que têm.
Vejam só, por favor. A insegurança em todos os
sentidos: a superlotação, a falta de água corrente, o saneamento, o perigo das
botijas de gás em pequenos recintos fechados, os fogareiros, os candeeiros, o
perigoso emaranhado dos fios da pirataria eléctrica, o lixo, a miséria, o
sofrimento que se vive por detrás desses edifícios ao lado do asfalto. As
pessoas vivem e saem de buracos, em pleno centro da cidade, não pode ser,
senhores! Dos bairros periféricos já sabemos o que é, e não vale a pena
repetir.
Faça-se alguma coisa. Não para expulsar manu militari
e sem saberem para onde mandam as pessoas como é habitual, mas para melhorar a
vida dessa mistura de gente que vive por ali (operários, zungueiros, empregados
de lojas e outro tipo de trabalhadores que a partir dalí mantêm a nossa
economia), mas também jovens estudantes que, como essa pessoa que visitei,
estão envolvidos num combate silencioso que, pelo enorme sacrifício e coragem,
necessitam e merecem a mão de quem governa.
Afinal são mesmo estes jovens esquecidos ali, que vão
assumir os destinos desse país, como o fez a vossa geração nos anos 60.
Possivelmente não vos trago nada de novo. Seria então mais grave e confrangedor
se afinal, já sabeis tudo, e continuamos assim.
Quero crer (pode ser que me engane), que feitas as
visitas que menciono e pediria fossem extensivas a todos os bairros como aliás
está a fazer o GP da UNITA, aposto que compreendereis muitos porquês.
Compreendereis o verdadeiro sentido do comportamento
do vosso povo. Compreendereis porquê se diz o que se diz nos táxis, autocarros,
nos bares etc. (se não sabeis, melhor meter-vos também neles); Compreendereis
porque é que o regime a que servis foge das autárquicas como se foge com o rabo
à seringa.
Sim, compreendereis porque raio, é que cada vez que se
aproximam as eleições, constatais como eu, que em vez de preparar o aparelho do
estado para realizar eleições claras e fiáveis, o regime investe o máximo, no
aperfeiçoamento dos laboratórios e métodos da pilhagem das urnas.
Sim, compreendereis tudo, e alguns de entre vós,
talvez recobrem o mesmo espírito de revolta legítima, que vos empurrou a
Brazaville, Kinshasa, Luzaka ou outras paragens fora do país em busca de
liberdade e dignidade nos anos 60, para hoje, e com métodos mais modernos e
democráticos, ajudarem os jovens actuais, na sua luta por esse mesmo desejo de
vida digna. Esses jovens não podem estar condenados a passar no século XXI,
sacrifícios piores do que os que passastes. Mas isso está acontecer, na Angola
do MPLA actual.
Uma das coisas que observei durante a minha visita
naquele beco onde para mim, vive um cérebro brilhante que será em algum tempo
mais, uma jóia para o seu país, é a força moral; a impecável organização num
espaço tão reduzido em que está confinada e obrigada a viver essa criatura; uma
determinação de aço para terminar a sua carreira, mesmo sem saber o que lhe
reserva o mundo das oportunidades, no país campeão da exclusão.
Minha admiração e respeito vai também aos pais de
muitos jovens que, como os deste, camponeses numa província distante do centro
de estudos da sua jóia, fazem tudo para viajar periodicamente da província à
capital, para descarregarem os produtos alimentares do campo que a própria
criatura vai completando com o pouco que vai comprando com o dinheiro, não
trazido pelos pais, senão o resultante das explicações que ela própria vai dando
nas suas horas vagas, aos colegas com mais dificuldades. Vale a pena.
À nossa juventude, e em particular àqueles estudantes
que, como aquela vossa ou vosso colega que visitei, enfrentam a adversidade
actual nessa Angola já do ano 41: muita força! Imagino, que como esta, deve
haver dezenas ou centenas mais, que fazem mil sacrifícios para avançarem nos
seus estudos, mesmo vivendo naquela situação, conseguindo ainda assim ser os
melhores da faculdade.
Longe da família, sem meios suficientes nem NOME para
poderem beneficiar de uma bolsa de estudos apesar das brilhantíssimas notas,
marchais em direcção ao fim desse calvário. Coragem, pois! Coragem!
Pertenceis a este povo com grandes exemplos a seguir
na vossa caminhada. Quando ainda estão frescas as comemorações da data em que
heroicamente e por Angola tombou o Dr. Jonas Malheiro Savimbi, é o momento de
decidirem ler em profundidade a sua vida, a sua luta desde a fase estudantil
até ao fatídico 22 de Fevereiro daquele 2002, para vos inspirar e servir de exemplo.
Leiam outros mais velhos nossos que estejam ao vosso alcance, que também
triunfaram e fizeram triunfar. Leiam. Perguntem quem foi o velho Ekundi. E
outros por toda Angola.
Percam um pouco de tempo para investigar, analisar e
compreender a realidade sócio política do vosso entorno: o que passais, o que
passam os vossos vizinhos de beco, o que se poderia fazer com os recursos
nacionais que são de todos nόs enfim, compreendam que tendes muitas disciplinas
mais, além das da carreira que abraçastes.
Afinal, todas elas vão unidas, se tiverdes em conta
que estudais para depois trabalhar para o vosso país onde o angolano hoje
ignorado como vós, deve ser o ponto de partida e o de chegada do vosso esforço.
Deveis estudar também o comportamento do actual regime e fazer do vosso
sofrimento de hoje, a mola impulsionadora de uma vida realmente diferente e
muito mais digna não só para vocês próprios, mas também e já, para a geração
seguinte.
Insisto, tenham em conta que deveis ter como objectivo
o vosso próximo; o vosso filho, irmão ou compatriota mais novo ou mais velho,
para que a Angola que queriam construir os da geração dos 60 e que ficou
naquilo que estamos a viver hoje devido ao desvio de rota de alguns, seja uma
grande realidade na obra onde sereis protagonistas.
A ti, jovem criatura visitada, a quem admiro e também
dedico este texto, tenha sempre em mente que como tu, pode haver outros tantos.
Não estás só.
Aos núcleos das associações de estudantes, sugiro
localizarem casos de colegas em maiores dificuldades e tentarem ajudar-se uns
aos outros, para minimizar situações do género, enquanto trabalhais para
incrementar mais e mais a vossa consciência política.
Não se coloquem à margem do que se passa no país num
momento como este, olhando só para a matéria marcada pelo professor, as vezes
devido ao medo. Nos grandes desafios que vos esperam, a matéria académica é o
importante cajado que tereis sempre à mão, para enfrentar e solucionar da
melhor forma os grandes problemas do vosso povo nas diversas áreas da nossa sociedade.
Que cada um tenha muita sorte e êxitos na sua
carreira.